24 abr Medicina na Sociedade Moderna
Certamente, nos últimos 50 anos, uma das maiores contribuições jurídicas neste país é a vigência da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 (O Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC) o que possibilitou a viabilidade de um consenso entre os limites do que seria justo e vulnerável no campo do Direito. Tal diploma destaca com recatada atenção sobre assistência médica e a relação entre o consumidor e o profissional desta área, tendo sempre o cuidado de não abordar o tema saúde como uma atividade mercantil, até mesmo pela importância que o Código representa como balança de moderação e disciplina do relacionamento entre o consumidor e o prestador de serviços.
De certo que não estamos mais na época em que o médico exercia, de forma quase solitária e espiritual, uma atividade junto a quem pessoalmente conhecia. Hoje ele é um pequeno executivo que se rege por regras e diretrizes traçadas por uma elite burocrática que tudo sabe e tudo explica. A Medicina-arte agoniza nas mãos da Medicina-Técnica, como ensina o Professor Genival Veloso de França em seus livros. A erudição médica vai sendo substituída por uma sólida estrutura instrumental. Não podemos omitir o fato de a medicina atual ter tomado rumos diferentes da de antigamente.
A sociedade, por sua vez, também não ficou indiferente às mudanças. A capitalista-industrial, utilitarista e pragmática, embasada em parâmetros de produção e consumo integra em massas populares o ser-indivíduo, baseando suas relações por meio de contratos. Tornam-se as mentes esfomeadas com os vertiginosos sucessos, em que o homem começa a ser despersonalizado e desvalorizado como uma simples coisa, inexpressivamente, colocado dentro dessa iludida realidade que ele próprio criou e não pode mais controlar. Este pensamento instituiu uma modalidade de medicina, em que o homem passou a ser um grande enfermo numa coletividade alienada.
Há certas profissões, e a Medicina é uma delas, que, por sua natureza e circunstâncias, são capazes de gerarem danos a outrem. Cabe ao médico, por menos experiente que seja o paciente e por mais ingênuo que este possa parecer, o dever de dar ciência do risco gerado na tentativa de salvar uma vida ou restabelecer sua saúde. Mesmo o mais tímido e discreto ato médico é passível de risco, ainda que sabendo de suas obrigações. Esse é o preço que vem pagando os pacientes pelos mais espetaculares progressos que a tecnologia tem emprestado à Medicina e assim tem sido o tributo pago por todas as comunidades beneficiadas pela civilização moderna.
O homem procura sentir prazer na mesma proporção que evita sentir dor. Para alcançar isto busca ajuda médica. Neste ponto está formada a relação médico-paciente, a qual se busca o restabelecimento de um estado de saúde normal, pela ação de um esforço do profissional contratado. Em caso de expressa declaração de um determinado resultado, caberá ao médico proporcioná-lo ao paciente, podendo ser civilmente e criminalmente responsabilizado.
Nunca é demais mencionar que para a sociedade, além da má prática médica, existem outras causas que favorecem um resultado adverso em um tratamento, como o desconhecimento de cláusulas intrínsecas aos contratos, as péssimas condições de trabalho e a penúria dos meios indispensáveis no tratamento das pessoas, a ponto de num futuro próximo o Médico, ao se deparar com um paciente com gripe, ouça primeiro seu Advogado para só depois concluir a consulta.
Curiosamente, os pacientes não estão morrendo somente nas mãos dos médicos, mas nas filas dos hospitais sem leitos, a caminho dos ambulatórios sem remédios, nos ambientes miseráveis onde moram e na iniqüidade da vida que levam. Vendo este lamentável cenário de trabalho é fácil entender o que vem acontecendo no exercício da Medicina, onde se multiplicam os danos e as vítimas, e onde é cômodo culpar os Médicos.