A indenização pelo período estabilitário não laborado e o princípio da boa-fé no direito do trabalho

Imagine a seguinte situação: você, empregador, despede sem justa causa uma das suas empregadas mulheres. Quase dois anos se passam sem que você tenha qualquer notícia da mesma, até que um dia chega ao seu estabelecimento a notificação de uma reclamatória trabalhista. Nela, sua ex-empregada alega que estava no primeiro mês de gestação quando fora dispensada, e busca, agora, o pagamento de uma indenização por todo o período estabilitário, mais a diferença das parcelas rescisórias, o que, no caso, ultrapassaria o valor de 16 salários da trabalhadora.

Qual você acha que é a possibilidade de êxito de sua empregada, mesmo não tendo laborado um único dia para sua empresa nestes quase dois anos? Se você respondeu enormes, acertou.

   E não pense que esta situação é restrita apenas às empregadas gestantes, pois ela alcança todos os casos de detentores de garantias provisórias de empregos, como as vítimas de acidentes de trabalho, membros da CIPA ou dirigentes sindicais.

Isto porque, embora boa parte dos pensadores e operadores do direito do trabalho entenda ser imprescindível que o empregado ajuíze sua reclamatória no prazo da garantia provisória de emprego, possibilitando ao empregador a sua reintegração e com isso o efetivo trabalho, o posicionamento do TST tem sido outro.

Diferentemente daqueles que, como nós, entendem que o bem da vida protegido pelo instituto da estabilidade é o emprego e não a indenização, o TST tem se manifestado no sentido de que, se a reclamatória for ajuizada no prazo prescricional de dois anos, fará jus o empregado à indenização pelo período estabilitário, independente de ter trabalhado ou não.

E mais, de acordo com o posicionamento do TST, se a reclamatória for ajuizada após o período estabilitário, não será devida a reintegração ao emprego, mas tão somente a indenização, o que, ao nosso entender, é a consagração do ócio remunerado.

Tal entendimento, consolidado na Orientação Jurisprudencial 399 da SBDI-1/TST, tem sido pouco questionado nos Tribunais e espaços acadêmicos do país, mas isso, contudo, não nos relega ao ostracismo inerte dos conformados.

Sabemos da razão de existir do entendimento vertente da OJ 399 da SBDI-1 do TST, qual seja, o direito constitucional do empregado em propor a sua ação no prazo de dois anos após o término do contrato de trabalho, e reconhecemos que o mesmo adquire ainda mais significado quando se está diante de uma situação de estabilidade gestacional, em que o detentor do direito é o nascituro e não a mãe, mas, ainda assim, acreditamos que a propositura da ação depois de exaurido o prazo estabilitário, com o intuito único de auferir valores pecuniários, macula o princípio da boa-fé. Princípio este, adstrito a empregados e empregadores.

O princípio da boa-fé, segundo o inconteste Plá Rodrigues, refere-se à conduta da pessoa que busca cumprir realmente com o seu dever, pressupondo uma posição de honestidade e honradez, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar nem causar danos. Mais ainda, implica na convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos e nem desvirtuamentos.

Assim, por ser o contrato de trabalho um pacto sinalagmático por essência, onde a remuneração é a contraprestação pelo trabalho prestado, entendemos que a possibilidade do empregado ajuizar reclamatória buscando tão somente a remuneração, independente do efetivo trabalho, macula o dever de não desvirtuar a relação, vertente da sua obrigação inata de agir de boa-fé, o que não deveria ser tolerado pelo Judiciário Trabalhista.