VERSÃO ATUALIZADA DO PROJETO DE LEI 1.397/2020 APROVADO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Em Sessão Deliberativa Extraordinária, na noite de 21/05/2020, o Projeto de Lei 1.397, apresentado pelo Deputado Hugo Leal, em versão com modificações de relatoria do Deputado Isnaldo Bulhões Junior, obteve aprovação pela Câmara dos Deputados.

O PL foi concebido no contexto de reflexos de mercado acarretados pelo enfrentamento à pandemia do COVID-19 e prevê medidas inéditas de caráter excepcional, focadas, especialmente, em salvaguardar agentes econômicos cujas atividades tenham sido afetados pela crise desencadeada e mitigar uma iminente massiva judicialização.
Para tanto, a proposição conta com três capítulos assim concebidos: Capítulo I – Do Sistema de Prevenção à Insolvência (que contém duas seções: Seção I – Da Suspensão Legal e Seção II – Da Negociação Preventiva), além do Capítulo II – Das Alterações Provisórias da Lei n. 11.101/2005 e, ainda, o Capítulo III – Das Disposições Finais.
Abaixo, sintetizamos as principais disposições de cada instituto.

A começar pelo intitulado SISTEMA DE PREVENÇÃO À INSOLVÊNCIA, é composto por duas fases subsequentes uma à outra, ambas válidas para obrigações vencidas após 20/03/2020 (com exceções dependentes de prova de vinculação direta entre a pandemia e os prejuízos).

Na primeira fase (extrajudicial, chamada de SUSPENSÃO LEGAL), durante 30 dias (improrrogáveis) a contar a entrada em vigência da norma, todos os agentes econômicos gozariam de uma suspensão automática contra excussão judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações, decretação de falência, resilição unilateral de contratos bilaterais ou aplicação de cláusula vencimento antecipado, afastada incidência de multas de mora no período, excetuados créditos de natureza estritamente salarial ou relacionados a pensão alimentícia ou contraídos ou repactuados após 20/03/2020.

Durante esses 30 dias iniciais, devedores e credores são estimulados a buscar alcançar composições amigáveis, sopesando os impactos da pandemia. Em segunda fase, (judicial, chamada de NEGOCIAÇÃO PREVENTIVA), os agentes econômicos que persistissem em dificuldades e comprovassem queda de faturamento igual ou superior a 30% em comparação com a média do último trimestre correspondente de atividade do exercício anterior, poderiam ajuizar ação voluntária demonstrando tal circunstância, ao que passariam a gozar de extensão das mesmas benesses da fase de SUSPENSÃO LEGAL, por mais 90 dias (improrrogáveis), a contar do protocolo do pedido.

Igualmente, durante esses 90 dias, é esperado que devedores busquem renegociar diretamente com os credores suas pendências, apresentando, ao fim, ao Juízo responsável, relatório das composições eventualmente atingidas, para arquivamento do processo.

Caso, após o transcurso do período de NEGOCIAÇÃO PREVENTIVA, o agente econômico que dela usufruiu venha a pedir Recuperação Judicial ou Extrajudicial, é previsto que o tempo de duração das duas fases do SISTEMA DE PREVENÇÃO serão descontadas do tempo de blindagem patrimonial a que faria jus (stay period), bem como é previsto que, se o pedido de Recuperação Judicial ou Extrajudicial sobrevier em menos até 360 dias a contar dos acordos firmados nas fases 1 e 2, os respectivos credores teriam reconstituídos seus direitos e garantias, retornando às condições originais.

Para ambas as suscitadas fases, enquadram-se no conceito de agente econômico: a pessoa jurídica de direito privado, o empresário individual, o produtor rural e o profissional autônomo que exerça regularmente suas atividades.

Quanto às ALTERAÇÕES PROVISÓRIAS DA LEI 11.101/2005 (atual Lei de Recuperações Judiciais, Extrajudiciais e Falências), o PL prevê:

– Redução do quórum de aprovação de Plano de Recuperação Extrajudicial para metade mais um dos créditos de cada espécie, com inclusão créditos trabalhistas, fruição dos benefícios do stay period e permissão de pedidos que iniciem comprovando anuência de 1/3 dos créditos de cada espécie, com compromisso de, em 90 dias, atingir o quórum necessário, facultada a conversão do procedimento em Recuperação Judicial caso o deseje;
– Inexigibilidade, por 120 dias a contar da vigência da norma, das obrigações previstas em Planos de Recuperação Judicial ou Extrajudicial já aprovados e homologados;

– Permissão para apresentação de novo Plano de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, tanto nos casos pendentes de votação quanto naqueles em que já se tenha aprovação, submetendo-o à deliberação dos credores, podendo sujeitar obrigações de pagamento posteriores ao pedido de Recuperação Judicial ou Extrajudicial (à exceção de financiamentos tomados pelo devedor com expressa anuência do Juízo Recuperacional), fruindo dos benefícios do stay period nesse ínterim (limitados a 120 dias);

– Dispensa, durante a vigência da norma transitória, novos pedidos de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, da observância tanto do prazo mínimo de 2 anos de atividade regular quanto do prazo mínimo de 5 anos de transcurso de utilização anterior do instituto;

– Vedação de decretações de falência por inadimplemento do Plano de Recuperação Judicial ou por dívida materializada em título(s) executivo(s) protestado(s) inferiores a R$ 100.000,00; e

– Adição de regras especiais à Recuperação Judicial de microempresas e empresas de pequeno porte, com autorização de parcelamentos em até 60 meses, podendo admitir descontos ou deságios, correção pela SELIC para títulos federais, pagamento da 1ª parcela em até 360 dias do pedido de RJ ou do aditamento, sem que a improcedência acarrete falência.

Segundo já pontuado em análise anterior da Scalzilli Althaus acerca da versão original do PL 1.397/2020 (cuja redação atualizada importou ajustes compreendidos razoáveis e, em maioria, vindos para o que se avalia como uma melhor formatação), afora pontualíssimas ressalvas, trata-se de norma de louvável sensibilidade, que se afina com a urgência imposta pelo tão mencionado súbito descompasso que se abateu entre os relógios econômico e financeiro de negócios mundo afora por consequência da realidade de mercado materializada no combate ao coronavírus.

Com a abrangência da atual crise e as incertezas que permeiam a volta a algo próximo da antiga normalidade, a aplicação de moratória inicial automática e indistinta aos agentes econômicos, aliada a um subsequente período de negociação preventiva garantido àqueles mais afetados, é um sistema visto com bons olhos a servir de inquestionável filtro de uma enxurrada de pleitos judiciais (corrida desenfreada por satisfações creditícias ante o risco de insolvência X busca de revisões contratuais e flexibilizações de obrigações, além de pedidos Recuperações Judiciais e Falências). Paralelamente, as concessões asseguradas para empresas que já se encontravam em meio a processos de soerguimento quando sobreveio a pandemia, também emana como medida de ponderação, humanidade e coerência com a tentativa de preservação das cadeias produtivas e minimização dos prejuízos coletivos.

Naturalmente, cuidam-se de remédios amargos para credores, mas, dadas as circunstâncias extraordinárias postas, os detentores de crédito em determinada relação são, não raro, devedores em outras, sendo crucial agir e implementar soluções tendentes ao “menos pior” e com preocupações sistêmicas, verificando-se a clássica analogia do cobertor curto, em que nenhuma medida se revelará inteiramente satisfatória.
Nossa convicção é de que a formatação do PL 1.397/2020 aprovada pela Câmara dos Deputados afina-se com a imprescindibilidade de implantação de providências emergenciais substanciais que propiciem as melhores condições possíveis à preservação do ecossistema empresarial e da economia nacional em sentido amplo, mitigando os severos desdobramentos da crise em curso, aguardando-se que o Senado Federal, com brevidade, também valide a proposta, para que alcance final sanção presidencial e passe a produzir efeitos em prol dos seus destinatários.