Revista VOTO entrevista Verônica Althaus na seção Mulheres de Poder

Entrevista para Revista VOTO

PULSO FIRME

Um advogado especialista em reestruturação de empresas precisa de postura imperativa, coragem e tato apurado para negociações de risco. Recorre-se ao substantivo masculino porque eles são a grande maioria conduzindo esse tipo de caso. Nesse cenário dominado por homens, destaca-se uma advogada reconhecida nacionalmente e que tem no currículo mais de 400 processos de falências, concordatas e recuperações judiciais.

Verônica Althaus comanda, ao lado do sócio Marcelo Scalzilli, a Scalzilli Althaus. Além de atuar na área de sua expertise, é diretora-geral do escritório que está entre os mais admirados do país, segundo o ranking da Análise Advocacia 500. Foi ela que coordenou o processo de expansão para o mercado nacional da Scalzilli Althaus, que tem bases em Porto Alegre/RS e São Paulo/SP e atua em todo o Brasil.

A advogada relata que, durante sua trajetória, chegou a se deparar com pessoas preconceituosas, que buscavam intimidá-la por ser mulher. Teve vezes também que sentiu sua voz não ser escutada no início de reuniões. Porém, demonstrando conhecimento na área e propondo soluções para problemas complexos, conseguiu reverter essas situações e ser respeitada. Por outro lado, as características femininas foram de grande ajuda para outros desafios que a vida lhe apresentou. Foi o caso de uma assembleia de credores que reunia funcionários furiosos. “Ao me verem, reestabeleceram o equilíbrio e a postura”, lembra.

São mais de 20 anos de trabalho incansável, gerindo crises seguidas de crises de seus clientes. E, para bem enfrentá-las, foi muito além do conhecimento adquirido na faculdade e na pós de Direito Empresarial. Aplicada, a sócia da Scalzilli Althaus se qualificou em gestão, finanças e governança. Uma especialização, aliás, que é permanente. Confiante e, ao mesmo tempo, delicada, Verônica é uma inspiração para mulheres que querem empreender e se firmarem como protagonistas em setores áridos do direito empresarial.

As mulheres já são quase metade no mercado de trabalho jurídico. Mas, na área de recuperação judicial, ainda são poucas. O que explica isso?

Iniciei a minha carreira na restruturação de empresas logo que me formei em Direito. Fazia estágio no jurídico interno de uma grande seguradora que teve sua liquidação extrajudicial decretada pela Susep e, em poucos meses pedi, pessoalmente, a autofalência da companhia. Assim, formada, iniciei a carreira na área. Naquele tempo, éramos poucos advogados especialistas em processos de falências e concordatas. Dentre esses, me destaquei pela larga vivência na matéria. Essa área exige um comportamento imperativo, encorajador e de pouca flexibilidade, aprendi logo no início. Hoje, percebo, que essas características nem sempre me acompanham naturalmente. Há momentos que, pela minha natureza feminina, me vejo sendo mais democrática do que o encargo me permitiria. Tive a sorte de iniciar cedo e ter tido a oportunidade de me adequar às características que me permitiram atuar de igual para igual. Atribuo ao tempo, à experiência e à essas características pessoais o fato de nunca ter me sentido ameaçada por atuar num segmento liderado por homens. Trabalhar numa área em que somos tão poucas mulheres sempre foi um grande desafio. No entanto, carrego comigo a certeza de que o resultado depende muito da vontade e da garra, atributos presentes fortemente nas mulheres.

Como nasceu seu interesse por essa área?

Iniciei na carreira por ter trabalhado no processo liquidatório de uma grande seguradora, que acabou tendo sua falência decretada – requerida por mim. O início dessa caminhada, atribuo ao destino, mas também ao meu interesse em continuar me especializando pelo prazer que tive na atuação desse processo e de outros que vieram na sequência. Conduzi, ao longo de quase 20 anos de trabalho, mais de 400 processos na área de falências, concordatas e recuperações judiciais.

Quais são as maiores dificuldades?

A área de restruturação de empresas é desafiadora porque exige muito além do conhecimento técnico jurídico. Na verdade, o processo judicial em si é apenas o meio pelo qual se consegue obter o resultado de uma análise estratégica do negócio e suas formas de recuperação. Portanto, sempre me senti desafiada a buscar soluções que vão além do que aprendemos na faculdade de Direito e cursos de especialização. Sempre busquei conhecimento em gestão, finanças e governança, pontos fortes de quem se destaca na carreira.

O fato de ser mulher gera algum empecilho no dia a dia? 

Não acredito que me gere empecilho. Algumas dificuldades são enfrentadas, raramente, mas na maioria delas quando me deparo com pessoas preconceituosas que buscam a intimidação como forma de negociação. Até hoje consegui reverter todas as situações desagradáveis nesse sentido.

Por outro lado, há algum atributo da mulher que ajuda no trabalho?

Admito que já me senti privilegiada, em alguns momentos, por ser mulher. Lembro de uma Assembleia de Credores em que tive que enfrentar a fúria de dezenas de funcionários prontos a promover uma verdadeira guerra, que, ao me verem à frente das negociações, reestabeleceram o equilíbrio e a postura. Essa negociação acabou sendo mais bem recebida e frutífera a todos.

Já sofreu algum tipo de preconceito de colegas ou clientes?

Nunca senti nenhum preconceito. Houve momentos em que me senti um pouco desprezada no início da reunião, como se não estivesse presente, mas logo fui percebida e a minha opinião respeitada.

As mulheres se diferem dos homens na recuperação judicial em algum aspecto?

Em absolutamente nenhum.

Se pudesse deixar uma mensagem de motivação para quem almeja atuar nesse segmento, qual seria o seu recado?

Acredito, sinceramente, que a atuação nessa área depende de conhecimento, experiência e força. As mulheres têm essa tendência e, por se dedicarem fortemente ao que fazem, estão crescendo muito no mercado de trabalho. A dedicação se traduz imediatamente nos atributos que esse segmento exige. Não há nada, nenhuma atividade, que não se possa executar.

Quais foram as suas principais experiências para chegar até aqui?

A minha atuação é focada em restruturação empresarial desde o início da carreira. Inicialmente conduzi centenas de processos falimentares e de concordata como administradora judicial (antiga sindicância) e, depois, comecei a advogar em favor de empresas. Trouxe da experiência anterior um largo conhecimento em formas de restruturação e busquei especialidades nas áreas do direito societário e de gestão. Hoje, conduzo a gestão do meu próprio escritório e atuo no atendimento aos clientes com outros sócios. É um grande time de advogados especializados em várias outras áreas do direito, como trabalhista, tributário e empresarial.

(Reprodução do conteúdo da Revista VOTO)

Pág 64 e 65