Programa Emprega + Mulheres pode se tornar obsoleto

FONTE: Conjur

 

Entra em pleno vigor no próximo dia 21 de março a Lei nº 14.457, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres. A iniciativa é destinada à inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho por meio da implementação de medidas destinadas ao apoio à parentalidade, à qualificação, ao retorno ao trabalho após a licença-maternidade, ao reconhecimento de boas práticas na promoção da empregabilidade feminina e à prevenção e combate ao assédio e outras formas de violência.

O tempo urge e as empresas mais atentas, que possuem Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), estão em uma corrida para qualificação dos profissionais, criação de canais de denúncia e organização interna. O objetivo é evitar problemas com fiscalizações inesperadas.

Entretanto, a incerteza quanto aos avanços normativos obtidos para esses pontos e a falta de consenso político para a regulamentação da Lei trazem insegurança jurídica aos setores administrativo e de gestão de pessoas. É obrigação da empresa não só tornar o ambiente de trabalho saudável, mas agora também coibir atos que são, infelizmente, intrínsecos em uma sociedade constituída em bases patriarcais.

A Lei torna as empresas aliadas das mulheres no combate ao assédio, mas não dá as coordenadas de como fazer isso com responsabilidade e coerência. Dentre as inovações da norma, podemos destacar medidas de apoio à parentalidade, como o auxílio-creche, amamentação, teletrabalho, antecipação de férias e a possibilidade de que o pai arque também com as responsabilidades na criação dos filhos.

Observados os requisitos previstos na Lei, os valores pagos a título de reembolso-creche, por exemplo, não têm natureza salarial. Mas ainda é necessário um ato do Poder Executivo dispondo sobre os limites para sua concessão e as modalidades de prestação de serviços aceitas, incluindo o pagamento direto a pessoas físicas.

Resguardado o poder diretivo da empresa e a vontade expressa dos empregados interessados, é possível flexibilizar a jornada de trabalho dos profissionais que tenham filhos, enteados ou pessoas sob sua guarda com até seis anos de idade ou com deficiência. Essa flexibilização pode ser implementada por meio de compensação de jornada via banco de horas, horários de entrada e saída flexíveis e antecipação de férias individuais, mediante acordo individual ou coletivo, sem maiores burocracias. A promessa é que a adoção dessas normas traga benefícios fiscais às empresas, mas ainda não se sabe ao certo quais são eles.

Qualquer empresa pode aderir ao Programa Emprega + Mulheres, auferindo os benefícios de possuir o chamado “Selo Emprega +”, destinado àquelas que se destacarem. Mas até o momento não há sequer um formulário para adesão, tampouco há regras claras para regulamentar sua implementação.

Quanto às medidas para qualificação de mulheres, a Lei também prevê — mediante requisição formal da empregada interessada –– a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para estimular a qualificação em áreas estratégicas. Durante esse período de suspensão, a empregada fará jus à bolsa de qualificação a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Contudo, não foi informado nem onde nem como as empresas que quiserem abrir essa possibilidade a suas empregadas poderão buscar esse custeio. Os órgãos responsáveis não possuem diretrizes para receber o pedido. Por outro lado, a multa por qualquer descumprimento relacionado a esse item será de, no mínimo, 100% do valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato de trabalho –– e, esta sim, pode ser cobrada facilmente.

A lei também permite que os homens tenham um benefício parecido após o término da licença-maternidade da genitora. Nesse caso, servirá para auxiliar a mulher nos cuidados, estabelecer vínculo com os filhos e apoiar o retorno dela ao trabalho. Para isso, ele deve participar de curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com carga horária máxima de 20 horas semanais, não presencial.

Quem pagará essa conta? O Estado –– através do Programa Empresa Cidadã, que facilita às organizações a ampliação das licenças maternidade e paternidade, com dedução no Imposto de Renda do valor total dos benefícios concedidos.

As empresas que aderem ao Empresa Cidadã também podem substituir o período de prorrogação da licença-maternidade (de 60 dias) por uma redução da jornada de trabalho de 50% pelo período de 120 dias, com pagamento do salário integral. Os 60 dias de prorrogação poderão ser compartilhados entre a empregada e o empregado requerente, sem custo para o empregador.

Porém, o Programa Empresa Cidadã, que tornaria viável o “Emprega+ Mulheres” só é acessível para empresas que tributam pelo Lucro Real. Estamos falando de Bancos, seguradoras e aquelas que auferem renda superior a R$ 78 milhões ao ano. Ou seja, apenas 3% das empresas brasileiras. Nosso país possui 6,4 milhões de estabelecimentos. Destes, 99% são pequenas e microempresas que empregam 52% da população celetista.

Significa que a imensa maioria das empresas, que são as que mais empregam e que mais precisariam do incentivo fiscal para conceder todos os benefícios listados acima, simplesmente não podem aderir ao programa e, se quiserem, terão de arcar do seu bolso para a concessão dos benefícios.

Em suma, temos mais uma Lei que se tornará obsoleta e inacessível se não houver uma regulamentação urgente. E isso precisa ocorrer ainda no mês de março.

 

Kerlen Costa
Advogada da área trabalhista do escritório SCA – Scalzilli Althaus