O futuro da relação entre entregadores e aplicativos de entrega

FONTE: Jornal Jurid  25.01.2023

Está prevista para o próximo dia 25 de janeiro uma greve dos entregadores de aplicativos. Sabe-se que a relação de trabalho entre esses profissionais e as empresas não é formalizada pela CLT e, portanto, imagina-se que a reivindicação central seja essa regulação. Certo? Errado. Essa normativa, a despeito de possíveis boas intenções, acaba sendo tão prejudicial para a categoria que os entregadores –– neste momento –– sequer reclamam disso. As pautas são outras. E são muitas. Da revisão das taxas repassadas ao fim das empresas que terceirizam motoboys, passando pelo encerramento das múltiplas entregas pelos aplicativos e pela participação da categoria na regulamentação das plataformas junto ao governo. É notável, portanto, que a mobilização que está sendo organizada seja diferente do que se imagina quando se fala em greve de categoria: além de a questão celetista não estar na pauta, também parece não haver envolvimento de sindicatos.

É inegável que os aplicativos de transporte e entrega impactaram de muitas formas a vida em sociedade. Pode-se dizer, inclusive, que os motoristas e entregadores tiveram uma função histórica durante a pandemia de Covid-19. É justo, portanto, que se busque uma relação de maior equilíbrio. Porém, um fato que parece definitivo é que os aplicativos não aceitarão a imposição de contratação pelo regime celetista. Não entramos aqui no mérito da questão trabalhista em si, posto que há margem para diferentes entendimentos.

A questão é que as empresas não tendem a aceitar esse tipo de formalização contratual porque ela se opõe diretamente à essência desse tipo de serviço. A liberdade de relacionamento e a descomplicação da aproximação entre quem produz, quem compra e quem entrega são as bases originais dos aplicativos. Portanto, uma eventual imposição de contratação celetista decretará o encerramento das atividades dos “apps” de entrega no Brasil. O impacto disso em nossa economia e em nossos hábitos seria imenso. Ademais, os maiores prejudicados seriam os centenas de milhares de entregadores que ficariam sem trabalho. É por isso que muitos desses profissionais não colocam essa reivindicação nas pautas do protesto dos próximos dias.

Como se vê, a questão dos aplicativos de entrega é complexa porque envolve diferentes instâncias decisórias e distintos atores. É claro que as empresas tomadoras dos serviços dos entregadores podem fazer o possível para atender às demandas desses profissionais. Contudo, quando se fala em questões trabalhistas no Brasil, sabemos que as amarras legais fazem todos perderem –– excetos os cofres e órgãos públicos, que não abrem mão de regulação e arrecadação. Urgem medidas de desburocratização e simplificação das relações de trabalho para que empresas e entregadores possam estabelecer vínculos formais, mas sem que isso resulte em demissões, em empobrecimento para milhares de famílias e na falta de um serviço que se tornou essencial para os brasileiros.

Marcelo Nedel Scalzilli
Sócio do escritório SCA – Scalzilli Althaus