Da Imprescindível Cautela Na Condução De Recuperações Judiciais Ante As Inovações De Contagem De Prazos Introduzidas Pelo Cpc/2015

Muito já se falou e escreveu sobre o artigo 219 do Código de Processo Civil (2015), que inovou ao prever contagem em dias úteis para os prazos estabelecidos por lei ou pelo juízo. O ponto de incerteza que fomenta debates consiste no fato de que a citada regra aplica-se somente a prazos classificados como processuais[1], não se aplicando a prazos classificados como materiais, tratando-se de conceitos abertos, dependentes de interpretação e, por conseguinte, passíveis de conclusões conflitantes.

Ao abordar o tópico sob o enfoque do exercício da advocacia no âmbito da Lei de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005), abre-se uma gama particular de dúvidas. Ocorre que a LRE possui rito próprio, repleto de peculiaridades, no qual as sociedades empresárias em recuperação e os seus credores têm de cumprir uma série de prazos específicos, incluídos alguns em que se reportam diretamente ao Administrador Judicial designado, sem que suas manifestações sequer sejam registradas nos autos da ação. E a classificação de tais prazos (se processuais ou materiais), com definição da forma adequada para a sua contagem (se em dias úteis ou corridos), ainda se encontra longe de alcançar razoável consenso.

Frente a esse cenário, é fundamental que os profissionais do Direito que patrocinam o interesse de recuperandas não apenas estejam atualizados acerca da legislação e dos posicionamentos doutrinários a respeito, mas, principalmente, acompanhem com atenção tanto os veredictos que vêm sendo proferidos em Primeira Instância quanto os precedentes que começarão a advir dos tribunais pátrios, sendo recomendável substancial dose de cautela no presente momento, minimizando as chances de reveses.

A título de ilustração da observada instabilidade inerente à submissão ou não de certos atos da Lei n. 11.101/2005 à dita regra do Novo CPC, importante compartilhar experiência recente, na qual a banca Scalzilli.FMV Advogados & Associados, atuando na representação de cliente no estado de São Paulo, deparou-se com decisão fixando o prazo para apresentação do Plano de Recuperação Judicial sem definição da forma de contagem (se em dias úteis ou corridos), nos seguintes termos: “O Plano de Recuperação Judicial deve ser apresentado no prazo de sessenta (60) dias, contados da publicação da presente decisão no DJE, na forma do artigo 53, sob pena de convolação em falência.

Sobre a natureza do prazo de 60 dias para apresentação do Plano de Recuperação Judicial, o que se percebe, a partir de publicações assinadas por profissionais tidos como expoentes na matéria[2] e de deliberações de varas especializadas da justiça paulista[3], é que tende para a classificação como processual, com contagem em dias úteis. No caso concreto em referência, a mesma interpretação (contagem em dias úteis) chegou a ser orientada à recuperanda pelo Administrador Judicial nomeado.

Contudo, em vista da fatal consequência estipulada pela LRE para a hipótese de descumprimento – decretação de falência da sociedade empresária -, a banca Scalzilli.FMV (mesmo partilhando da compreensão conceitual do prazo como processual), instruiu sua cliente a programar a entrega do Plano de Recuperação Judicial mediante contagem em dias corridos, destacando a essencialidade da postura de máxima cautela aqui sustentada, e, complementarmente, peticionou requerendo ao juízo competente que esclarecesse se a forma de contagem deveria ser conservadora ou realizada à luz do Novo CPC, buscando, assim, segurança jurídica para lidar com qualquer eventual imprevisão.

Eis a decisão consignada no processo em resposta: “À vista da entrada em vigor no Novo Código de Processo Civil, que em seu artigo 219 determina que somente os dias úteis deverão ser computados na contagem dos prazos processuais em dias, há, de fato, grande divergência acerca do procedimento a ser adotado na Lei n. 11.101/2005, por tratar-se de lei especial, bem como por prever expressamente a aplicação subsidiária do CPC em seu artigo 189. Diante desse quadro, mas considerando também que o prolongamento excessivo do prazo no procedimento de recuperação judicial põe em risco a eficácia do próprio processo e é extremamente pernicioso à sociedade, principalmente aos credores, ainda mais levando-se em conta a natureza alimentar de determinados créditos, filio-me à corrente que entende que alguns prazos, ainda que possam ser classificados como processuais, devem ser contados de forma corrida, notadamente aqueles que são contínuos, dentre eles o prazo de 60 dias para apresentação do plano de recuperação.

Veja-se que o juízo, com efeito, reconheceu a natureza processual do prazo e, não obstante, ordenou que fosse contado em dias corridos, contrariando o Código de Processo Civil (2015) e desafiando a melhor das apostas de probabilidade!

Sem pretensão de aprofundar a análise da fundamentação dada à comentada decisão, o exemplo prático aqui relatado foi abordado com o objetivo de evidenciar um pouco da complexidade e dos riscos que se têm enfrentado neste estágio inaugural de relação entre a Lei n. 11.101/2005 e a inovação trazida pelo artigo 219 do Código de Processo Civil (2015), respaldando a convicção defendida de que compete aos advogados que conduzem Recuperações Judiciais a adoção de cautela redobrada enquanto a jurisprudência não ditar contornos mais nítidos para o tema.


[1] “Aos tratos de tempo para que, dentro deles, a parte ou o terceiro interessado pratique ato, ou se prepare para audiência, ou comparência a ato processual, chama-se prazo processual. Aqueles são os prazos de atuação; esses, prazo de espera.” PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 124.

[2] “(…)o prazo de “automatic stay” tem origem na soma dos demais prazos processuais na recuperação judicial. O prazo de 180 dias foi estabelecido pelo legislador, levando em consideração que o plano deve ser entregue em 60 dias, que o edital de aviso deve ser publicado com a antecedência mínima, que os interessados têm o prazo de 30 dias para a apresentação de objeções e que a AGC deve ocorrer no máximo em 150 dias. (…) Dessa forma, tendo em vista a circunstância de que o prazo do “automatic stay” é composto pela soma de prazos processuais e a necessidade de preservação da unidade lógica da recuperação judicial, conclui-se que também esse prazo de 180 dias deve ser contado em dias úteis.” DANIEL CARNIO COSTA – A recuperação judicial no novo CPC / artigo publicado por Valor Econômico – http://www.valor.com.br/legislacao/4545335/recuperacao-judicial-no-novo-cpc

[3] “Com o advento do novo CPC, que estabelece a contagem dos prazos em dias úteis (art. 219), e não havendo na LRF uma regra específica sobre contagem de prazos em dias corridos, o novo regime geral é o que deve ser aplicado aos atos do procedimento da recuperação judicial, por força do art. 189 da LRF. Logo, serão observados os seguintes prazos: 15 dias úteis para habilitações de crédito; 45 dias úteis para o administrador judicial apresentar sua relação de credores; 60 dias úteis para apresentação do plano; 30 dias úteis para objeção ao plano; e 150 dias úteis para a realização da AGC. Consequentemente, o prazo de suspensão das ações e execuções (“stay period”), previsto no art. 6º., para. 4º., da LRF, também será de 180 dias úteis. (Decisão datada de 22/07/2016, dada no Processo n.1068956-86.2016.8.26.0100, pelo Exmo. Sr. Dr. Paulo Furtado de Oliveira Filho, Juiz de Direito da2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais – Foro Central – Comarca de São Paulo/SP)