16 jun Quando o empregado “veste a camisa” da empresa
Recentemente, circulou na internet um vídeo em que supostas vendedoras de uma famosa loja brincam tentando adivinhar quanto gastaram dos próprios salários em peças adquiridas no estabelecimento onde trabalham. Além dos valores despendidos serem exorbitantes — o que surpreende o espectador —, a situação gera controvérsias, pois há uma linha tênue entre uma escolha pessoal e a configuração do chamado truck system, prática que viola direitos trabalhistas fundamentais.
O truck system ocorre quando o empregador impede o empregado de exercer livremente seu direito de adquirir mercadorias, compelindo-o a comprá-las no próprio estabelecimento, muitas vezes por preços superiores aos de mercado, o que pode levar ao endividamento. Essa prática também se caracteriza quando a remuneração do trabalhador ocorre, total ou parcialmente, por meio de vales, mercadorias ou qualquer forma que não seja dinheiro.
Considerada abusiva por submeter o trabalhador a uma condição semelhante à escravidão, essa prática é expressamente vedada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O artigo 462 e seus parágrafos asseguram os princípios da irredutibilidade e da proteção integral do salário.
No caso do vídeo, não há indícios de que as funcionárias sejam obrigadas a investir em roupas da própria loja, o que configuraria dependência econômica incompatível com o ordenamento jurídico. Contudo, é importante esclarecer que a escolha do trabalhador por adquirir produtos comercializados pelo empregador — por conveniência ou afinidade — não configura, por si só, o truck system, desde que ausente qualquer coação ou imposição.
Para que o empregador evite ilegalidades, futuros processos trabalhistas ou autuações por parte da DRT e do MPT, é fundamental que qualquer desconto em folha decorrente da compra de produtos respeite os limites legais, com autorização prévia e expressa do empregado. O ideal é que isso esteja formalizado em cláusula contratual, sempre em conformidade com a legislação e a convenção coletiva da categoria.
No caso em questão, a simples concessão e uso de uniformes pelas funcionárias seria suficiente para evitar interpretações equivocadas. Isso deixaria claro que o ato de “vestir a camisa da empresa” foi, nesse contexto, uma escolha pessoal — e não uma imposição disfarçada.
Marjorie Ferri
Advogada da área Trabalhista e Contratual do escritório SCA – Scalzilli Althaus