05 jan O regime de sobreaviso e suas nuances no Direito Brasileiro
Em maio do ano passado, o Tribunal Superior do Trabalho transformou em Súmula a Orientação Jurisprudencial nº 49, da SDI-I, que dispunha sobre o regime de sobreaviso, estabelecendo que o uso de aparelhos de intercomunicação, como pager, bip e telefone celular, por si só, não caracterizam o regime de sobreaviso.
No entanto, em que pese a brilhante tentativa da Corte Superior Trabalhista em unificar a jurisprudência dos Tribunais Pátrios, ainda há imenso conflito jurisprudencial acerca do tema, estando a discussão longe de qualquer pacificação.
Com efeito, o regime de sobreaviso foi trazido pela Consolidação das Leis do Trabalho para aplicação exclusiva aos ferroviários, visando à execução de serviços imprevistos por trabalhadores que residiam nas imediações das rodovias. Tal instituto encontra previsão legal no parágrafo 2º, do artigo 244, da norma celetista, que assim o conceitua:
“Considera-se de sobreaviso o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço.”
Tendo em vista a ausência de normatização específica, o instituto passou a ser aplicado por nossos Doutrinadores e Julgadores analogicamente a todas as demais categorias profissionais, considerando-se o conceito previsto no supracitado dispositivo legal. Contudo, passados quase 70 anos da elaboração da norma celetista, sua redação tornou-se completamente obsoleta em relação ao tema, surgindo inúmeras dúvidas e entendimentos divergentes acerca da configuração do regime de sobreaviso.
Isto porque, hodiernamente, a comunicação com o trabalhador não se realiza mais através de telégrafos, mas sim, por meio de telefones celulares, bips e pager, não sendo necessária a permanência do empregado em sua residência para que seja localizado a qualquer momento pela empresa. A jurisprudência, assim, precisou modernizar-se.
Nos Tribunais Regionais, o entendimento é absolutamente dividido entre Magistrados, como ocorre no próprio Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul. Há quem conclua que embora o uso de aparelho celular, por si só, não caracterize tempo de serviço à disposição do empregador, a existência de escalas de sobreaviso e a comprovação do labor nesse regime configuram o direito.
De outra banda, há quem entenda que simplesmente a comprovação de que a empresa exigia que o profissional permanecesse em tempo integral com seu telefone ligado, podendo ser localizado a qualquer momento e acionado para o trabalho, já o limita em suas atividades de lazer, fazendo jus às horas de sobreaviso.
Ainda, há entendimento no sentido de que para ficar configurado o regime de sobreaviso não é suficiente a ocorrência de eventuais chamados ou mesmo habituais atendimentos fora do horário normal de trabalho, pois ainda assim haveria a necessidade de comprovação da existência de restrição imposta pelo empregador quanto à possibilidade do empregado de livre locomoção, impondo-lhe a obrigação de permanecer em sua residência à disposição para emergências.
Há, também, Julgadores que entendem que a utilização do telefone celular afasta a condição de sobreaviso ou tempo à disposição do empregador, porquanto nesta hipótese inexiste imposição de permanência do empregado em sua residência, havendo liberdade de locomoção.
Diante de todas estas correntes, conforme já referido, o TST buscou uniformizar a jurisprudência, transformando a orientação jurisprudencial nº 49, da SDI-I, na súmula nº 428, assim esclarecendo:
“Súmula nº 428 – TST – Sobreaviso – Uso de Aparelho de Intercomunicação – Convocação para o Serviço. O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, 'pager' ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço.”
Nesta linha, o entendimento dominante do TST é no sentido de que o fornecimento de aparelhos que possibilitem o contato do empregador com o obreiro fora da jornada habitual de trabalho não caracteriza esse regime, máxime quando não demonstrado o efetivo desempenho de labor em sobreaviso.
Compartilha-se de tal entendimento, pois, nos termos da legislação Pátria, não há margem para interpretações ampliativas. A súmula editada traz segurança jurídica, uma vez que somente restará configurado o sobreaviso nas hipóteses em que realmente haja a privação de locomoção do empregado, o que, dadas as tecnologias atuais, ocorrerá em raros momentos.
Em que pese a corrente dominante no Tribunal Superior do Trabalho seja mais favorável às empresas, tal entendimento não vincula os Magistrados das Instâncias inferiores, os quais continuam reproduzindo os mais variados entendimentos, conforme já demonstrado acima.
Contudo, é importante destacar que inúmeras são as barreiras no direito do trabalho brasileiro para que o empregador consiga levar a discussão até o Tribunal Superior do Trabalho, a fim de fazer prevalecer o posicionamento contido na Súmula daquela Corte, pois além das limitações impostas quanto à matéria, ainda há a limitação financeira de cada empresa, que muitas vezes não possui condições de arcar com os vultosos depósitos recursais exigidos pela Justiça Laboral.
Assim, muitas vezes, os empregadores acabam ficando vulneráveis as decisões não pacificadas e contrárias, até mesmo, ao entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, em razão do dissenso jurisprudencial, o que, obviamente, gera injustiça e insegurança jurídica, merecendo maior atenção dos Juristas.