04 out Recuperação judicial em alerta
No entanto, embora a Lei de Recuperações Judiciais preveja a existência de um plano especial de pagamento dos credores em até 36 vezes, no caso das MPEs, especialistas no assunto acreditam que esta não é a melhor alternativa para quem precisa lidar com problemas no fluxo de caixa. Segundo a advogada especialista em recuperação judicial Gabriele Chimelo, na maioria dos casos, deve ser o último caminho, em função do “engessamento” de negociações com credores.
Antes de decidir por recorrer ao processo, o essencial é encontrar o problema para buscar o “remédio ideal” a fim de minimizar o impacto da crise, sugere Gabriele, que atua como gestora da área de reestruturação empresarial e recuperação judicial da Scalzilli.fmv Advogados e Associados. Isso porque os custos com honorários são elevados frente ao número de profissionais envolvidos no processo – que exige pelo menos um administrador judicial, um advogado, empresas especializadas na elaboração do plano – somados às custas processuais, entre outros gastos.
Sem possibilidade de novas linhas de crédito e com a inflexibilidade dos credores, a pequena empresa dificilmente supera a recuperação judicial. “Para um pequeno empresário endividado, com um caixa instável, tal projeção de pagamento torna a recuperação judicial uma incógnita”, afirma. A especialista acredita que as melhores saídas para uma MPE que deve a credores seriam um choque de gestão, reorganização da estrutura e foco na renegociação das dívidas – “inclusive revendo contratos e, se os mesmos estão em consonância com as normas judiciais, até estabilizar a vida financeira da empresa”.
Como reflexo da crise, o setor mais prejudicado neste sentido foi o comércio, que, em todo o País, mais que dobrou no ranking de pedidos de recuperação judicial, quando comparados os sete primeiros meses deste ano frente ao mesmo período de 2015.
Entre janeiro e julho de 2015, as recuperações judiciais requeridas somavam 187 e, no mesmo período de 2016, foram 387. Enquanto em 2015 o segmento respondia por 29,8% do total de recuperações requeridas, em 2016 o percentual aumentou para 35,2%.
“Todas as grandes datas de vendas deste ano foram um fracasso, e nada indica que o Dia das Crianças e o Natal serão comemorados pelos varejistas, porque a população está sem dinheiro para comprar”, observa o professor de Direito Empresarial do Ibmec-MG, Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade. Na opinião do docente, antes de optar pela recuperação na Justiça, os pequenos empresários devem buscar soluções criativas, inovando em suas atividades e reduzindo custos. “A recuperação judicial é cara e burocrática. Para as pequenas empresas é muito difícil, e os casos de sucesso são de pouca expressão.”
Andrade sugere que as MPEs apostem na recuperação extrajudicial – ou seja, negociar sem a presença de juiz e promotor. Neste caso, para que se passe credibilidade é preciso estratégia. “É essencial contratar assessores jurídico, financeiro e contábil para dar transparência para a ação. Mas, ainda assim, os recursos dispensados serão menores do que se a medida fosse ao Poder Judiciário.”
Gestão e estoque são empecilhos
O setor industrial também sofreu em 2016, quando o aumento nas solicitações de recuperação judicial foi de 53%, passando de 166, entre janeiro e julho de 2015, para 254 nos primeiros sete meses do ano vigente. Os fabricantes mais afetados foram os de fertilizantes, automóveis e produtos eletromecânicos.
Dentre todos os segmentos, o aumento no número de recuperações requeridas no mesmo período foi de 75,1%, passando de 627 requisições, nos sete primeiros meses de 2015, para 1.098 em igual período de 2016.
No geral, fala-se em aumento de mais de 300% em pedidos do gênero, no decorrer de apenas um ano. Um verdadeiro boom de empresários buscando alternativas para limparem o nome entre os fornecedores, funcionários e bancos, empurrados para o endividamento, muito devido à queda nas vendas. Mas existem outros fatores que contribuem para que negócios que parecem sólidos sucumbam.
O técnico de atendimento do Sebrae-RS, André Martinelli, afirma que o comércio varejista em geral tem dificuldades na gestão de estoque e de pessoas. “Na verdade, lidar com funcionários é um problema que se manifesta também nos setores de indústria e de prestação de serviços, o que leva à desmotivação das equipes, interferindo negativamente nos resultados do negócio.”
Durante 2015, o Sebrae criou um material para ensinar MPEs a passar pela crise, evitando falência ou recuperação judicial.
A cartilha trata tópicos como atentar para o que é mais urgente no negócio e assim tratar a dificuldade, observar o custo fixo e variável para ver no que tem que reduzir, olhar para o estoque e calcular o que realmente se precisa por mês, por exemplo.
“Não dá para comprar produtos para o ano inteiro, se descapitalizar e buscar empréstimo no banco”, adverte Martinelli. “Alguns gestores não fazem reuniões periódicas com a equipe para ver como está o desempenho, ou estabelecem metas inatingíveis. Outros ficam nas mãos de um único fornecedor, o que é péssimo”, ensina.
Governança corporativa é fundamental
Para Figueiredo, a recuperação judicial surgiu para muitas MPEs quando já não havia mais saídas para manter as contas. Por ser um instrumento que protege a empresa por 180 dias evitando o pedido de falência ou venda de bens neste período, os olhares dos empresários se voltaram para o apelo na Justiça. “Mas, em geral, essas solicitações estão acontecendo com empresas que, na verdade, quase não têm mais tempo para muita coisa.” Não à toa, em paralelo, ocorreram 971 pedidos de falência nos primeiros sete meses de 2015 e 1.058 no mesmo intervalo de 2016, ou 8,95% a mais.
Nesse sentido, o setor de serviços foi o mais impactado pelos pedidos de falência na comparação entre janeiro e julho de 2016 e o mesmo período de 2015. Segundo a Serasa, foram 421 solicitações contra 361 requeridas por empresas do setor nos primeiros sete meses do ano passado: um aumento de 16,6%. Entre janeiro e julho deste ano, o setor de serviços respondeu por 39,8% do total de falências requeridas entre os segmentos, enquanto, em 2015, o percentual foi de 37,2%.
Burocracia e custos devem ser considerados
Após a realização do diagnóstico e a decisão do empresário em ajuizar a recuperação judicial, o processo se divide em três fases. Primeiro, ocorre a postulatória, em que o pedido é analisado pelo juiz que proferirá sentença (em caso positivo, todas as ações contra a empresa ficarão suspensas por 180 dias); seguida da deliberação dos credores, que deverão se habilitar ou divergir do quadro. Nessa fase, em 60 dias, a contar do deferimento, a empresa deverá apresentar seu plano de recuperação judicial, demonstrando os meios pelos quais pretende se reestruturar e como irá pagar as dívidas.
Feita a análise do plano, uma assembleia geral de credores decide pela aprovação ou não da proposta do empresário devedor. “Se aprovado o plano, passa-se à terceira fase, com a fiscalização do cumprimento do mesmo, e termina com a sentença de encerramento do processo”, explica Gabriele. Ela alerta que, para que a recuperação judicial de uma micro ou pequena empresa dê certo, é necessário renegociar todas as dívidas de modo que se encaixem dentro do fluxo de caixa da empresa, o que nem sempre é possível, em decorrência do tamanho da dívida e da impossibilidade de conseguir novas linhas de financiamento ou crédito. “Esse é o ponto: os empréstimos literalmente inviabilizam o caixa de uma MPE, colocando em xeque a possibilidade de este tipo de empresa sair viva de uma recuperação judicial.”
O professor de Direito Empresarial do Ibmec-MG, Guilherme de Andrade, destaca que, quando se trata de recuperação judicial, as grandes empresas estão melhor preparadas para este desafio. A advogada especializada no assunto Gabriele Chimelo concorda: “Quanto maiores forem as dívidas de uma empresa de grande porte, maiores são as chances de seus credores lhe concederem tratamento diferenciado, objetivando o recebimento de seu crédito, mesmo com deságio.”
Por sua vez, uma pequena empresa não tem o mesmo poder de negociação, pois, muitas vezes, as dívidas superam, e muito, o seu patrimônio, adverte Gabriele. “A MMX (Mineração e Metálicos) conseguiu ter o plano aprovado pelos credores, porque tinha um passivo de R$ 2 bilhões, mas só iremos saber se dará certo daqui há mais de uma década”, pontua Andrade.
O professor observa que, pelo fato de a legislação (Lei de Falências e Recuperações Judiciais, nº 11.101/2005) ser recente, ainda não se pode apontar casos de sucesso nem mesmo entre as grandes. Isso porque, em geral, o pagamento das dívidas fica estabelecido dentro de um plano longo, de pelo menos 10 a 15 anos.
Sem crédito, adesão aumentou com a crise
Já no comércio, as falências permaneceram estáveis: 240 pedidos em cada um dos levantamentos, sendo que, nos primeiros sete meses de 2016, esse número representou 22,7% do total e, em igual período de 2015, 24,7% do total geral.
A sócia e gestora da área de reestruturação empresarial e recuperação judicial da Scalzilli.fmv Advogados e Associados, Gabriele Chimelo, entende que esta medida vem sendo mais adotada, justamente porque o perfil das empresas em dificuldade mudou.
“Para uma organização ser afetada tão rapidamente por uma crise externa é porque internamente possuía muitos gaps de gestão, e isso se agrava muito quando o mercado deixa de colaborar”, esclarece.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o número total de procedimentos solicitados no Estado no primeiro semestre de 2016 foi de 59, enquanto que, durante todo 2015, foram solicitados 98 pedidos de recuperação judicial, o que já representa um crescimento de 20,41%.
Enquanto isso, na capital gaúcha, os números mantiveram-se mais parecidos, com um crescimento de apenas 0,6%. Em 2015, foram requisitados ao todo 17 pedidos de recuperação judicial e, no primeiro semestre deste ano, foram oito.