Queda do petróleo pode inviabilizar lucro de parte do pré-sal no Brasil

A derrocada do preço internacional do petróleo, com o brent – barril de referência nas bolsas internacionais – permanecendo abaixo de US$ 29 nos últimos dias, impacta no lucro do que foi celebrado pelo presidente Lula como o “bilhete premiado do Brasil” em 2006: o pré-sal. Apesar de ser benéfica a alguns setores (como a agricultura, que usufrui de fretes mais baratos), a queda na cotação da commodity lança um ponto de interrogação sobre os ganhos com a exploração das camadas mais profundas de petróleo no Brasil.

A extração de recursos nas camadas mais profundas, cuja profundidade pode ultrapassar 7 mil metros, tem um custo de US$ 8,00 por barril, de acordo com aPetrobras. Com o brent avaliado a menos de US$ 30,00, analistas apontam que o investimento nessa região deve crescer menos do que o esperado, sendo inviável em alguns blocos.

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Para entender quanto custa o petróleo que sai do pré-sal, é preciso considerar as etapas da produção. O custo de extração e transporte nas plataformas é de aproximadamente US$ 8 o barril. A Petrobras também paga uma participação ao governo federal, que está em torno de US$ 17 o barril. Além disso, o petróleo brasileiro é considerado pesado, de menor valor no mercado internacional, porque exige um trabalho adicional de pós-processamento. Para compensar, no cálculo de exportação, é como se ele custasse ainda mais US$ 10 o barril. Somando tudo, chega-se a U$ 35 o barril para o petróleo de algumas áreas a se pagar .

“Com todos esses custos, diante do preço atual, alguns blocos não estão dando resultado. Ao contrário, estão próximos ao negativo”, diz o estrategista-chefe da XP Investimentos, Celson Placido. Há, entretanto, uma proporção entre o custo de extração e a produtividade de cada área que deve ser incluída na conta. Para Flavio Conde, sócio-diretor da WhatsCall Research, justamente por esse cálculo  “não dá para afirmar categoricamente que o pré-sal esteja dando prejuízo”.

“O petróleo baixo lança uma questão sobre os investimentos da Petrobras, principalmente no pré-sal, que tem custo de extração maior do que a Bacia de Campos por ser mais profundo. O custo de extração da Petrobras como um todo é de em média US$ 22 o barril, de acordo com o último balanço. Mas a gente não tem como estimar realmente o custo do pré-sal. Esse desembolso tem relação direta com a produtividade de cada poço, pode ter um que produza 10 mil barris por dia e outro 100 mil, por exemplo, então é preciso pesar essa proporcionalidade.”

A coordenadora de pesquisa da FGV Energia, Lavinia Hollanda, ressalta que as consequências da atual cotação serão sentidas em todas as companhias que trabalham com o combustível fóssil. “Todas as empresas estão disciplinando a redução de custos, que é o que a Petrobras deve fazer. Uma queda de preços que parecia pontual está durando muito mais do que o esperado. Há perspectiva de queda de 50% no lucro da Shell no último trimestre de 2015. O problema é que esse efeito vem em uma hora muito ruim para a Petrobras, que vive uma situação fincanceira delicada e problemas de corrupção que afetam sua capacidade de reagir”, diz.

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Os atuais preços da gasolina e do diesel no país (mais caros do que no mercado externo, já que os valores, por serem controlados pela União, não acompanham a queda do petróleo) poderiam ser facilitadores ao caixa da Petrobras, não fosse a dívida bruta de R$ 506 bilhões da empresa, com 70% desta quantia sendo calculada em dólar. Flavio Conde diz acreditar em uma redução da ordem de 10% no preço da gasolina e do diesel ainda neste ano. A medida, segundo ele, seria motivada para forçar para baixo a inflação e aumentar a popularidade do governo Dilma Rousseff.

“Como a prioridade do governo é inflação e não a geração de caixa da Petrobras, esse é um risco adicional para 2016”, afirma o analista da WhatsCall Research. “Por que o governo não deixa o preço igual ao de outros países? Por que não baixamos? Porque o governo passou o primeiro mandato inteiro da Dilma com o preço abaixo do mercado, o que gerou um prejuízo de R$ 70 bilhões. O governo está, entre aspas, pagando agora essa diferença de preço”, diz.

Problema antigo

Na visão dos analistas, o imbróglio em torno das decisões, a partir de 2007, de como o Brasil poderia se beneficiar dos royalties e atuar no pré-sal gerou uma janela de tempo “preciosa” e irrecuperável. De 2010 a 2013, o petróleo estava entre US$ 100 e US$ 150, cotação atraente para o comércio na área. Para Lavinia Hollanda, da FGV, a movimentação vista durante a descoberta das camadas profundas do petróleo foi o contrário de um modelo que estava fluindo: “A gente trazia mais operadores para o Brasil. Com o pré-sal, houve uma concentração na Petrobras, que gerou uma dependência de todo o setor. Foram cinco anos discutindo como seria o royalites, perdemos uma janela de tempo que não volta mais”.

O analista da XP Investimentos afirma que o Brasil descobriu a camada de pré-sal em 2007, solicitou um bloco apenas em 2010. “Se tivessem licitado na época, quando o barril estava na casa de US$ 100, estaríamos recebendo royalties e participações governamentais. As commodites são cíclicas, temos que aproveitar um momento de patamar elevado para vender concessões. Com o preço atual, o investimento estrangeiro é inibido”, afirma Placido.

Lei da oferta e demanda

Além do brent abaixo de US$ 29, o contrato barril WTI [West Texas Intermediate] atingiu o menor nível em 12 anos nesta semana. O cenário é atribuído a três eventos principais, comandados pela lei da oferta e da demanda:1) alta oferta de países da OPEP, liderada pela Arábia Saudita, e os Estados Unidos atuando como novo mercado exportado; 2) volta do Irã, detentor da quarta maior reserva do mundo, ao mercado após a revogação das sanções internacionais; 3) baixa demanda, diante da desaceleração chinesa. Em suma, um superabastecimento.

“Tudo depende da Arábia Saudita, que a partir de 2014 criou um movimento de baixa para prejudicar os produtores de xisto dos Estados Unidos, que precisam de no mínimo US$ 80 por barril para ter rentabilidade. O país começou a aumentar a produção acima do nível da demanda”, afirma Conde, da WhatsCall.

A Agência Internacional de Energia (AIE) alarmou o mercado na terça-feira (19) ao afirmar que prevê novas quedas no preço da commodity, que pode chegar à casa de US$ 10 por barril. A agência afirma que o mercado terá de absorver a produção extra do Irã, que deve aumentar em 300 mil barris por dia no final do primeiro trimestre. A projeção da AIE é que, pelo terceiro ano seguido, a oferta excederá a demanda em 1 milhão de barris por dia.

A baixa perspectiva de lucros no pré-sal podem inibir o investimento em para instalar plataformas e produzir em novos campos da região. No entanto, nas áreas onde a produção já está em andamento o custo é menor do que o previsto. Em 2015, o Brasil produziu 2,1 milhões de barris por dia de petróleo e os poços do pré-sal respondem por um quarto da produção total. É uma média de 25 mil barris por dia por poço, segundo a estatal. De acordo com a Petrobras, a extração, com custo em torno de US$ 8 por barril, é inferior à média das grandes petrolíferas mundiais, de US$ 15 por barril. Lavinia Hollanda, da FGV, lembra, no entanto, que o preço do petróleo segue um “passeio aleatório, difícil de prever, mas os investimentos têm um impacto de longo prazo, eles serão sentidos lá na frente”.