Pessoa Física poderá pedir Recuperação Judicial? Esse é o objetivo do Projeto de Lei N. 7.590/2017

O Projeto de Lei n. 7.590/2017, de autoria do Deputado Federal Alexandre Valle (PR/RJ), começa a ganhar holofotes, pretendendo estabelecer um procedimento de Recuperação Judicial para pessoas físicas.

No compilado de justificativas do Projeto de Lei, lê-se contextualização remetendo à grave crise econômica atravessada pelo país e seus reflexos “sobretudo nas classes mais pobres”, com destaque para os atuais índices de desemprego, para a perda/redução das rendas familiares e para os crescentes índices de inadimplência/insolvência, com amplo “efeito dominó” nocivo e preocupante desencadeado por esses problemas.

O cenário descrito é, de fato, inegável e, naturalmente, toda a iniciativa que proponha mecanismos para remediação ou mitigação da situação das pessoas físicas afetadas pelo severo momento de recessão da economia nacional merece máxima atenção e boa vontade.

Aos operadores da matéria, mesmo antes de acessar o texto do Projeto de Lei em questão, já é possível afirmar que o princípio maior da Lei de Recuperação Judicial para pessoas jurídicas (Lei n. 11.101/2005), a saber, a Preservação da Empresa, não poderia servir de parâmetro ou embasamento às previsões da nova norma proposta, assim como os custos inerentes ao procedimento paradigma e a soberania conferida aos credores daquele também precisariam sofrer substancial adaptação ao se focar nas pessoas físicas (entre diversos outros aspectos que não comportam simples tradução).

Pois bem, a leitura dos 19 artigos que compõem o Projeto de Lei confirma tais assertivas e provoca uma série de indagações quanto à efetiva viabilidade de aplicação exitosa dos seus dispositivos (não obstante a elogiável intenção que lhe é inerente), pontuando-se, adiante, algumas das principais dúvidas, sem qualquer pretensão de esgotar o debate:

  1. PREVISÃO: está previsto que a Recuperação Judicial será concedida àquele que, a critério do julgador, comprovar capacidade de adimplir suas obrigações com aumento de prazos (sem deságios ou afastamentos de encargos – salvo se o plano de pagamentos aprovado os estipular), de acordo com estudo de viabilidade econômica. DÚVIDAS: No que consistem os critérios do julgador, já que o regramento não impõe limites à discricionariedade da decisão? A sentença se aplicará compulsoriamente aos credores, não sendo oponível a sua vontade ao comando judicial dado? Apenas aumentos de prazos serão suficientes à superação dos endividamentos e qual será sua elasticidade? Deságios e afastamentos de encargos poderão ser impostos? Quem custeará um estudo de viabilidade econômica, considerando-se a saúde financeira fragilizada dos destinatários da legislação?
  2. PREVISÃO: está previsto que será nomeado Administrador Judicial nos processos com valor da causa acima de 40 salários mínimos (abaixo de tal patamar, haveria simplificação de exigências e vinculação à competência dos juizados Especiais Cíveis) e que esse profissional terá atribuições no acompanhamento do feito, mas o artigo 16º decreta que não haverá designação de Administrador Judicial, competindo ao Juízo o respectivo múnus fiscalizatório. DÚVIDAS: Haverá ou não nomeação de Administrador Judicial? O artigo 16º seria aplicável apenas às ações que tramitarão nos JECs? Não haverá remuneração ao Administrador Judicial (a redação normativa não a prevê)? Quem custeará o trabalho de tal profissional?
  3. PREVISÃO: está previsto o deferimento (start) do processamento da Recuperação Judicial à pessoa física que apresentar a documentação arrolada pela legislação e está prevista a concessão da Recuperação Judicial (imposição do plano de pagamentos), a critério do julgador, como já detalhado na pontuação n. 1 deste opinativo. DÚVIDAS: Qual será o momento processual para o sentenciamento da concessão ou rejeição da Recuperação Judicial? Já que inexistirá Assembleia-Geral de Credores (que possui soberania decisória na Recuperação Judicial de empresas), haverá fase de instrução no processo (colhendo-se depoimento pessoal, inquirindo-se testemunhas etc.), com produção de provas além dos documentos inicialmente apresentados, como forma de investigar se o devedor possui ou não condições de vencer seus débitos acumulados?

Em meio a esses questionamentos, as primeiras impressões que se podem manifestar são no sentido de que o Projeto de Lei n. 7.590/2017 necessita de ajustes para que se molde aos objetivos propostos, em especial porque, nos seus termos atuais, embora pudesse representar excelente mecanismo a empreendedores contaminados pelo endividamento das suas empresas (hipótese em que a Recuperação Judicial da pessoa física serviria como instrumento paralelo/complementar à Recuperação Judicial da pessoa jurídica), causa a sensação de que não lograria o mesmo êxito no abarcamento a contento de desencaixes financeiros vivenciados por devedores mais humildes, parecendo ainda, que sua redação não alcançou ponto de amadurecimento apto a contemplar disposições factíveis ante aos interesses antagônicos/divergentes que estarão por si regidos caso avance.

Informe semanal da área de Reestruturação de Empresas

Contribuiu nesta edição o advogado Eduardo Grangeiro