Os créditos indenizatórios na Recuperação Judicial: os limites do artigo 49 da Lei nº 11.101/05

O artigo 49 da Lei nº 11.101/05 (Lei da Recuperação Judicial) disciplina a sujeição dos créditos ao procedimento recuperatório, de acordo com um critério temporal. Essa é sua redação: “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.

A princípio, numa análise mais superficial, tal dispositivo legal não suscitaria dúvidas interpretativas, eis que dispõe, de forma objetiva, acerca da sistemática de inclusão dos credores no plano da recuperação e da submissão dos seus créditos às condições de pagamento estabelecidas pelo favor legal.

Trata-se, contudo, de uma falsa impressão.

É fato que uma grande parte dos créditos da empresa em recuperação — talvez a grande maioria — sujeita-se às normas especiais de pagamento estabelecidas judicialmente, por serem dívidas pré-constituídas decorrentes, exemplificativamente, de títulos executivos extrajudiciais (duplicatas, promissórias, cédulas bancárias etc.) ou de sentenças já transitadas em julgado, na data do deferimento de recuperação.

Qual a regra, no entanto, para o caso de um crédito proveniente de uma ação indenizatória por ato ilícito ocorrido antes do deferimento da recuperação, ajuizada também anteriormente à concessão da benesse legal, mas julgada definitivamente depois dela?

A partir da análise do artigo 49 da Lei nº 11.101/05 acima reproduzido, bastaria aferir a “data de nascimento” do crédito e, confrontando-a com a data do deferimento da Recuperação Judicial, incluir ou não seu titular, no rol dos aquinhoados pelas condições especiais de pagamento deferidas ao devedor.

Ao abordar o tema, Fábio Ulhoa Coelho consigna que “os credores cujos créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial estão absolutamente excluídos dos efeitos deste. Quer dizer, não poderão ter os seus créditos alterados ou novados pelo Plano de Recuperação Judicial. (…) Assim, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (tais como a suspensão da execução, novação ou alteração do Plano aprovado em Assembleia, participação na Assembleia etc.) aquele credor cuja obrigação constituiu-se após o dia da distribuição do pedido de recuperação judicial.” (Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 49/50).

A questão não é tão singela quanto parece, afinal, o crédito surgiria no momento em que praticado o ato ilícito e experimentado o prejuízo pela vítima? Ou apenas quando julgada definitivamente a ação? Não se poderia, ainda, cogitar de uma posição intermediária, fixando-se a gênese na data do ajuizamento da ação?

A resposta só pode ser uma e encontra eco na jurisprudência: “A constituição efetiva do crédito ocorre com a formação do título executivo judicial e não com o momento do fato danoso que deu ensejo à propositura da ação indenizatória” Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), AI nº 994.09.300763-0.

Labora em manifesto erro aquele que estabelece o momento da prática do ilícito como o marco inicial da existência do crédito, haja vista que, “o crédito somente estará constituído com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Antes disso, há mera expectativa de direito” (TJSP, AI nº 0140551-50.2011.8.26.0000.)

Isso porque, como vêm decidindo os Tribunais, “a ação de indenização por danos materiais e morais possui por excelência o típico caráter condenatório (com efeitos ex nunc)”, em razão do que não “se poderia emprestar ao respectivo v. acórdão, que efetivamente admitira o direito dos exeqüentes, os efeitos ex tunc, próprios, unicamente, das ações declaratórias” (TJSP, AI nº 7.198.513-0. No mesmo sentido a Apel. nº 7.197.106-1).

Ou seja. O crédito passa a existir com a sentença definitiva, não se lhe podendo emprestar efeitos retroativos, de modo a transportar o marco inicial dessa existência para o momento da prática do ato ilícito danoso, como invariavelmente almejam as empresas em recuperação, por lhes ser mais vantajoso, ante a decorrente submissão do crédito às condições de pagamento previstas no plano recuperatório.

Não se pode perder de mira, além de tudo, que a sujeição dos credores à Recuperação Judicial, em regra, traz-lhes prejuízos, eis que, na prática, as obrigações são novadas em condições sempre desvantajosas, visando sempre à preservação da empresa. E nesse cenário, não se pode, em hipótese alguma, pretender alargar o espectro de abrangência do artigo 49 da Lei 11.101/05 para submeter ao procedimento recuperatório créditos que não lhe são afeitos.

A interpretação do aludido comando legal deve ser sempre restritiva, para não penalizar credores que estão a salvo do regime especial de pagamento, evitando, assim, despropositado benefício à empresa em processo de reabilitação.

E a exegese estrita da norma — repita-se — determina que os créditos indenizatórios, para estarem sujeitos à Recuperação Judicial, devem ter sido constituídos — vale dizer, a respectiva sentença condenatória deve ter transitado em julgado — antes da concessão do favor legal. Fora dessa hipótese, aos credores estão franqueadas as vias regulares de execução, absolutamente a salvo dos favores.