O BNDES é bom para quem?

O banco estatal nunca emprestou tanto. Mas boa parte de seu crédito barato, em vez de estimular a inovação, serve para grandes grupos fazerem mais do mesmo — às vezes, com resultados desastrosos. Talvez seja a hora de reler a cartilha

Um dos exemplos da estratégia duvidosa do BNDES é a tentativa de ungir um campeão nacional do leite. Em 2011, o BNDES aportou 700 milhões de reais na criação da LBR, uma das maiores produtoras de leite do país. A empresa, dona das marcas Parmalat, Poços de Caldas e Bom Gosto, entrou em apuros a ponto de tirar de linha um terço das marcas e fechar 11 das 31 fábricas.
A LBR recorreu à recuperação judicial em 15 de fevereiro. O banco já informou que deu baixa contábil de 865 milhões de reais, referentes ao prejuízo com o in­ves­timento frustrado. O revés soma-se a outros que levaram o BNDESPar a fazer provisão de 3,3 bilhões de reais contra perdas em 2012 — no acumulado des­de 2008, são 4,6 bilhões reservados.

Casos como o da LBR mostram como é grande a diferença entre ser “pró-mer­cado” — ou seja, a favor da livre con­cor­rência, independentemente do potencial de cada um dos competidores — e “pró-empresa”. Ao apostar numa úni­ca empresa do setor lácteo, da qual de­tém uma fatia de 30%, o BNDES acre­­ditava que reformaria um setor inteiro.

A realidade foi mais forte do que a uto­pia. Diz o economista Steven Horwitz, professor da Universidade Saint Law­rence, de Nova York: “Se um governo beneficia uma empresa, as concorrentes gastarão tempo e dinheiro com lobby para receber o mesmo benefício dado à eleita”.

Não é só dentro dos setores benefi­cia­dos pelo dinheiro farto e barato do ­BNDES que a competição fica fora de pru­mo. Também no próprio mercado de crédito a briga fica desigual. Cada empréstimo do banco estatal a uma grande empresa é, possivelmente, uma captação a menos no mercado de títulos. Mastodontes como Vale e Ambev, duas das empresas que mais recebe­ram crédito do BNDES nos últimos anos, fi­zeram o que lhes cabia: foram atrás do dinheiro mais barato que pudessem encontrar.

Qual o efeito de empresas desse porte — com capacidade de acessar os mercados de capitais para financiar suas atividades — terem à mão dinheiro que deveria ser reservado para moderni­zar a economia brasileira? “A concorrên­cia do mercado de capitais com o BNDES é direta e desigual”, diz um executivo do setor financeiro ouvido por EXAME. “Não dá para concorrer com um empréstimo subsidiado pelo governo.”

O governo deu sinais de que não será a ama de leite do BNDES para sempre. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, já informou que os repasses neste ano serão menores que os 55 bilhões de reais de 2012. É o início de uma mudança nas cartas do jogo? O pano de fundo, pelo menos, não parece perto de ser revisto. Internamente, os executivos não admitem que o BNDES tenha elegido setores prioritários. Os recursos, argumentam, estão acessíveis a todo tipo de empresa e setor.