“Mercado de recuperações judiciais se manterá aquecido”

Por Marcos de Vasconcellos

Em 2012, 757 empresas brasileiras pediram para entrar em recuperação judicial. No ano anterior, haviam sido 515. As falências decretadas tiveram uma alta menor, mas também cresceram: de 641 em 2011 para 688 em 2012. O crescimento deverá se manter neste ano. Com isso, a necessidade de advogados estarem acompanhando de perto seus clientes para indicarem a melhor hora de pedir a recuperação é ainda maior, avalia Samuel Aguirre, ou Sam Aguirre, como ele prefere, diretor da área de finanças corporativas da FTI Consulting, consultoria especializada reestruturação empresarial.

O mexicano que estudou no Canadá e trabalhou em reestruturações de dívidas, recuperações judiciais e em falências de companhias do mundo inteiro está otimista com o cenário brasileiro dosetor. “A demanda por crédito vem aumentando e a inadimplência também”,
aponta. A desaceleração da economia reserva muito trabalho para quem atua no Direito Empresarial.

A Lei de Recuperação Judicial e Faências (Lei 11.101/2005), ainda é jovem, aos olhos de Aguirre, mas é um claro avanço, por trazer a clara intenção de reabilitar as companhias, “ainda mais quando comparado com a antiga lei”, a Lei de Falências. As prioridades de pagamento que verbas trabalhistas e dívidas com a Fazenda têm são peculiaridades brasileiras que o diretor da FTI aponta como possíveis dificuldades na alavancagem de uma companhia em recuperação.

Com a dificuldade — ou impossibilidade — de negociar verbas que não são de credores quirografários, conseguir um empréstimo específico para a recuperação é tarefa quase impossível no Brasil. Por exemplo, não são aceitas pela Justiça negociações para pagar antes dos outros credores o banco que emprestou para a empresa com poucas garantias. A insegurança jurídica, diz ele, é algo que afasta investimentos no país.

Aguirre estudou quatro anos para se formar síndico de massa falida no Canadá. No Brasil, diz ficar espantado com a falta de uma formação específica para administradores judiciais. A concentração de empresas em recuperação na mão de poucos administradores também preocupa o profissional, que chegou ao país no segundo semestre de 2012, pela FTI, para atuar nesse mercado.

Leia a entrevista:

ConJur – Como o senhor analisa o mercado brasileiro para recuperações judiciais?
Sam Aguirre –
É possível consultar no Serasa séries históricas e bem completas. Foram 757 recuperações judiciais requeridas em 2012, um aumento de 47% em relação a 2011. O número das concedidas foi 189, o que representa um aumento de 25%.
ConJur – Cresceu em 2009, depois caiu em 2010 e segue uma tendência de alta em 2012.
Sam Aguirre – O aumento de 2009 teve origem na crise de 2008. Os números caíram um pouco e agora já mantêm uma tendência a subir. O que você está vendo no mercado brasileiro é uma desaceleração da economia nos últimos dois anos. Você vê que o PIB está caindo praticamente no mesmo ritmo, sendo uma coisa inversamente proporcional à outra.

ConJur – E como elas se relacionam?
Sam Aguirre –
A queda do PIB vai automaticamente se transferir para as recuperações e para as falências. É só ver outras duas coisas: um crescimento da inadimplência do consumidor e a demanda por crédito. Temos um aumento das falências, normalmente na indústria, que tem estrutura de custo muito alta e não conseguiu o lucro necessário para pagar as suas dívidas. Isso é o mais básico. A estrutura no Brasil é pouco competitiva, tem imposto muito alto e a matéria prima vem de fora. Além disso, há uma desaceleração econômica muito brusca.

ConJur – Saímos de mercado de otimismo, que até 2010 e 2011 estava agindo como se não houvesse uma possível queda no futuro.
Sam Aguirre –
Isso é um ciclo. Depois que se alavanca o consumo, por exemplo, não para mais. E o consumidor está super alavancado, ele tem muita dívida e está com muita renda comprometida.

ConJur – Ele se acostumou a um status de consumo?
Sam Aguirre –
A renda tem subido constantemente nos últimos seis ou sete anos. Você vê um decrescimento do desemprego incrível. Tem um crescimento do crédito fabuloso. Esse crescimento está em um ritmo muito acelerado, mas quem está emprestando hoje em dia não são bancos nacionais. Os bancos nacionais estão desacelerando, preocupados com a inadimplência do consumidor. Começou o primeiro trimestre de 2012, onde a inadimplência para carros foi de 8% ou 9%, muitos bancos cortaram seus empréstimos. Só os bancos públicos estão emprestando — a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil —, e eles têm emprestado como se o PIB crescesse todo dia. O governo está utilizando os bancos públicos para injetar dinheiro no mercado de consumo. Quem está acelerando a demanda do crédito são os que tem até R$ 500 de renda mensal, porque a renda mínima subiu. Eles estão tranquilos agora, mas para mim isso é uma situação que vai se complicar muito. Você tem já uma séries de problemas no Brasil, você tem um custo estrutural muito grande para a empresas, e você tem um consumidor que está esgotado a nível de consumo.

ConJur – O movimento que a gente tem provavelmente vai ser um aumento nos pedidos de falência.
Sam Aguirre –
Eu acho que sim. O que é interessante também é que no final do ano você não vê necessariamente pedidos de falência, por motivos administrativos. Acredito haver um incremento na primeira metade do ano.

ConJur – É um mercado bom para o advogado que lida com isso.
Sam Aguirre –
O mercado para o advogado será muito bom nesse começo de ano. É hora dos advogados se conectarem para os casos novos que estão saindo esses dias, nesses meses, com certeza.

ConJur – Em que estágio encontra–se a recuperação judicial no Brasil?
Sam Aguirre –
É uma lei jovem, de 2005, tem poucos anos, mas tentou–se moldar com a lei americana, o Chapter 11, focada em reabilitar uma empresa. Há a clara intenção de reabilitar as companhias, ainda mais quando comparado com a antiga lei, que criava um processo muito demorado, onde o síndico, o administrador judicial, estava focado em liquidar os ativos. Tem outros métodos, como a negociação extrajudicial, em que você pode sentar com seus credores e falar que não consegue pagá-los, mas mostrar suas missões. Antes, isso era uma admissão de falência, em muitos países ainda é. Agora, é possível fazer isso para negociar um plano de metas da empresa para com os credores. A recuperação judicial é um processo que dá uma oportunidade para o devedor se reorganizar e apresentar um plano de recuperação ao credor. Ele tem um plano definido, isso é uma das mudanças importantes da antiga lei e tem que respeitar uma série de prioridades.

ConJur – Quais seriam?
Sam Aguirre –
São as verbas trabalhistas — tudo que é pago para empregados tem prioridade; os credores extrajudiciais — eles não entram no processo judicial, não estão sujeitos a qualquer plano, eles vão ser pagos. Depois tem os credores extraconcursais. Depois tem os créditos com garantia real. Finalmente vêm os créditos quirografários, que são fornecedores, bancos sem garantia real, ou seja, todos aqueles que não têm uma garantia qualquer. Há peculiaridades na legislação e na jurisprudência brasileira, que dão tratamento diferente a credores de uma mesma classe. Fornecedores, por exemplo, costumam receber antes de bancos, apesar de ambos serem credores quirografários.

ConJur – Isso é algo comum? Pagar primeiro quem, supostamente, é mais pobre?
Sam Aguirre –
É uma sutileza da lei brasileira. Aconteceu em um caso recente que acompanhei, onde, pelo plano, fornecedores seriam pagos em cinco anos e a dívida com os bancos deveria ser quitada em 30 anos. A dívida com os bancos nem era tão maior que a com os fornecedores. A ideia é que o fornecedor tem que sobreviver, pois eles podem ir à falência por conta da dívida de um único cliente. Com um banco isso é mais difícil de acontecer.

ConJur – Privilegiando os fornecedores, que tipo de problema você pode ter com os bancos, por exemplo?
Sam Aguirre –
O banco pode argumentar que o plano deveria ser igual para todos. Ele tem que respeitar as regras e jogar o jogo.

ConJur – Aqui também há a peculiaridade de o acionista majoritário participar da negociação, certo?
Sam Aguirre –
Isso é comum na América Latina, mas não existe nos EUA. O controlador de uma companhia que entra em recuperação judicial, em geral, já perdeu tudo economicamente. Isso porque as dívidas já valem mais do que os ativos. A companhia, economicamente, pertence aos credores. E os credores vão dividir a companhia para eles. Só que a lei brasileira, a lei mexicana e a lei colombiana permitem que o acionista fique com um papel importante nessa recuperação. Ele pode apresentar uma coisa que seja mais vantajosa para ele do que para a quitação das dívidas, necessariamente. Isso, nos EUA, não existe. Se você entra no Chapter 11 é porque você está quebrado.

ConJur – Essa questão de dar mais poder ao devedor, se dá porque a lei aqui é feita para recuperar empresas? Espera-se que ele tenha poder para crescer de novo?
Sam Aguirre –
Querer reabilitar o devedor seria um foco, mas depende do plano e de a companhia ser viável. Se a companhia é viável e precisa de dinheiro, alguém tem que trazer esse dinheiro. Ou vai ser o dono, que vai conseguir se acertar com credores e trazer dinheiro novo, reestruturando a dívida, por exemplo. Se ele não tem esses fundos, vai ter que entrar outra pessoa para tomar uma participação de todos os ativos, comprando os ativos. Tem várias formas para reabilitar uma companhia, ou uma parte dela, tirando algumas contingências ou parceiros que eram demasiado grandes para encarar naquele momento. É preciso criar uma dívida sustentável. É a ideia do bolo: os dois lados têm que entender o tamanho do bolo e, discutirem o tamanho da fatia que pode ser distribuída para cada um.

ConJur – Aqui se fala muito da intransigência da Justiça, principalmente da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. Empresas criticam os órgãos por não aceitarem negociações. Quando há negociação, o negociado muitas vezes não tem validade para o Judiciário. Como isso afeta as recuperações?

Sam Aguirre – Eu acho que na maioria dos casos a premissa básica é que você não pode negociar a dívida trabalhista. O plano de recuperação, muitas vezes, vai demonstrar o caminho mais prático e o mais factível para dividir o bolo que você tem. Os trabalhadores são uma classe dentro da recuperação judicial. Você vai precisar do voto deles e não pode haver uma expectativa dos outros credores de que você vá negociar com os trabalhadores. Pode ser um ponto que todos gostariam de debater, mas não vai ser assim. Não tem abertura para discussão.

ConJur – Isso não é um problema?
Sam Aguirre –
É um fato que aqui no Brasil é complicado comprar uma empresa. O tema trabalhista e o tema fiscal são tão complicados que assustam o estrangeiro. É difícil para ele quantificar essa contingência que não entende. Há o fato, por exemplo, de ele poder ser atingido pessoalmente por uma ação trabalhista contra a empresa dele.
ConJur – Conversando com advogados, eles falam que as empresas brasileiras têm muitos problemas com recuperação judicial por que a pedem tarde demais. É uma realidade ou só uma impressão?
Sam Aguirre – O negócio é que ninguém quer pedir recuperação, mas, nos EUA, muito se fala de empresas que tomaram vantagem do processo para acabar com passivos, criando um plano de recuperação para uma companhia perfeitamente viável.

ConJur – Então a companhia pode entrar em recuperação sem precisar para tirar vantagem disso?
Sam Aguirre –
No Brasil, fazer esse tipo de planejamento fica muito complicado, justamente pela questão trabalhista, que tem uma super-prioridade. A parte tributária também não poderá ser planejada, porque tributo é da Receita Federal e ela praticamente não negocia. Então ficam só os quirografários. Tem uma dinâmica maior, por exemplo, com dívidas bancárias. Porém, tirar vantagem podendo negociar só a parcela dos quirografários me parece muito arriscado.

ConJur – E como saber a hora de pedir a recuperação, então?
Sam Aguirre –
Tem que ter caixa, isso é importante. Quando analiso uma empresa para saber se ela consegue fazer uma recuperação judicial é analisar o quanto de caixa que tem e o quanto de compras vai precisar fazer sem prazo. Isso porque, se a firma já está em recuperação, ninguém vai querer dar prazo. Economicamente, é preciso ter certeza que vai sobreviver 180 dias para sair da recuperação judiciária já com um plano que funcione. É bom analisar se não será oportuno, por exemplo, para não pagar uma parcela que vai vencer em dez ou 15 dias, pedir a recuperação. É totalmente legal, mas tem que estar de cabeça fria para analisar. O advogado tem que analisar os fatos e as perspectivas econômicas do negócio com o assessor financeiro e falar se é um bom momento para fazer.

ConJur – Mas depende do cliente consultar o advogado, certo?
Sam Aguirre –
O empresário tem ferramentas, mas toma o conselho dos advogados e dos financial advisors. O empresário é super competente para construir um negócio, mas para salvar o negócio não necessariamente. O conflito do advogado e do assessor é falar para o seu cliente o que ele tem de fazer.

ConJur – O senhor falou que os advogados brasileiros estão bem posicionados e entendem do mercado. Quais seriam as principais dificuldades que você nota ao contratar ou ser contratado por advogados brasileiros na hora da recuperação judicial?
Sam Aguirre –
Muitas vezes você recebe a ligação quando a situação econômica está tão deteriorada para a companhia que você se vê numa negociação muito complicada, dependendo do perfil dos credores. Eu trabalho para credores e para devedores e o principal a se fazer é uma análise de liquidação. Tem que ver, por exemplo, se para o credor, fica melhor não aceitar o plano e que o devedor vá à falência. O advogado precisa ficar muito atento a isso, pois essa conta deve ser feita com bastante antecipação, para saber quais são as opções de negociação. Quanto mais tarde se faz essa conta, menos manobra você tem.

ConJur – A questão tributária é um problema na recuperação?
Sam Aguirre –
Tem surpresas. No geral, as empresas têm crédito no Refis, ele tem um tratamento privilegiado. Em geral é muito difícil negociar com a Receita Federal. Ela é pouco flexível, eu diria. Não são credores que estão abertos a cortar a dívida tributária pela metade porque você não vai conseguir pagar.

ConJur – Não devia ser o país, a União, um dos principais incentivadores da recuperação? Não é uma coisa sem sentido você colocar a Receita sendo um dos credores menos flexíveis? A arrecadação de uma empresa que se recupera não vai ser maior do que a de uma que faliu?
Sam Aguirre –
Concordo. Eu acho que uma empresa que você consegue reabilitar é uma empresa que vai gerar impostos, que vai pagar impostos. Na realidade, acho que são problemas legais e culturais. Não necessariamente cultura, mais especificamente problemas de lobbies. A Receita tem um poder incrível. O fisco ou a Receita deveriam negociar como qualquer outro credor, mas na prática isso não acontece. Você tem que pagar a eles.

ConJur – Tem também a dificuldade de conseguir um empréstimo quando se está em recuperação. No Brasil, tivemos o exemplo do Frigorífico Independência, que conseguiu um empréstimo mas uma decisão judicial não aceitou o acordo entre credores e devedor — no qual o banco que concedeu o empréstimo teria preferência na ordem de pagamentos. Fala-se no mercado que, depois disso, ficou quase impossível de uma empresa em recuperação no Brasil pedir empréstimos como o chamado DIP Loan (Debtor-In-Possession), por conta da insegurança jurídica. É verdade?

Sam Aguirre – Um DIP Loan, nos EUA, acontece dentro de um processo de recuperação judicial, quando uma companhia consegue comprovar que precisa de um empréstimo e quem emprestar vai ter prioridade sobre todos os credores para poder sobreviver. Essa responsabilidade do juiz de dar uma garantia para esses credores gera uma estabilidade que não existe no Brasil. São empréstimos de curto prazo, seis meses, três meses, um ano no máximo. Em geral são pagos dentro da recuperação, com taxas muito altas, pois são de muito risco. No caso do Independência foi até um empréstimo com prazo maior, para pagar depois da recuperação. Aqui no Brasil são poucos que vão se arriscar, porque você tem uma insegurança de nível jurídico. Você não sabe exatamente o que o juiz vai falar no final. Se você tem ativos que não estão penhorados ou em garantia, acho que você tem uma melhor possibilidade de conseguir um empréstimo. Em geral, é difícil. É preciso passar por um processo onde há muitos interesses: o juiz, os credores, o extrajudicial, a própria companhia e o banco.

ConJur – No Independência, o plano foi aceito pelos credores, mas…
Sam Aguirre –
Não foi aceito pelo juiz, então um novo credor tem certa insegurança. Para entrar com um novo dinheiro, tem que ter uma garantia muito boa. A Receita não vai abrir mão da preferência dela, os créditos trabalhistas não poderão ser negociado, então fica difícil conseguir uma prioridade acima deles.

ConJur – Temos noticiado constantemente problemas entre os credores e o administrador judicial do Banco Santos. Esse tipo de problema é comum?
Sam Aguirre –
Não tenho experiência de muitos anos no Brasil para generalizar, mas acho que alguns indivíduos têm tido mais trabalho como administradores do que penso que deveria ser. Tem uma concentração de trabalho muito forte entre alguns administradores. Se eles são bons ou ruins não sei, o que sei é não existe nem mesmo uma formação para ser um bom administrador judicial aqui no Brasil.

ConJur – Isso é um fato?
Sam Aguirre –
Com certeza. Eu posso falar, porque sou um administrador judicial formado. Formei-me sindico de empresas no Canadá. Aqui no Brasil não vale nada esse título, porque não existe essa formação, mas são quatro anos que estudei para ser administrador judicial, com provas e estudos.

ConJur – É um curso de quatro anos?
Sam Aguirre –
E não é fácil. É bem complicado, e a prova final é oral, assistida por advogado, juiz e síndico, que fazem perguntas por três horas. Tem que saber como funciona a falência, todos os casos e exceções. No Canadá, é um programa rigoroso, organizado pelo governo. O administrador é um oficial da corte, tem que prestar contas ao juiz, com muitas responsabilidades e muitos poderes também. Acho que aqui tem muitos problemas porque não tem uma profissão regendo isso.

ConJur – Não se tem um controle de qualidade.
Sam Aguirre –
Acho que isso é coisa que juízes e advogados deveriam fazer, deveriam instituir um curso para formar os administradores judiciais, isso seria o mais básico. Não precisa ser quatro anos, que seja um. Mas você vai conseguir filtrar os caras complicados, vai conseguir filtrar os que têm conflitos demais. Vai ter um filtro mais coerente dentro da profissão, mas isso é só uma sugestão.

Marcos de Vasconcellos é editor da revista Consultor Jurídico.