Lei Anticorrupção: comportamento empresarial e oportunidade de mudança

Pesquisa divulgada recentemente mostra que 27% dos executivos em cargos de comando têm algum tipo de desvio de caráter. Essa categoria contempla desde baixa autoconfiança, estrutura emocional fragilizada e autoimagem inflada até mentiras, tendência a apropriação de recursos e assédio. Realizado pela HSD Consultoria em RH e Orchestra Soluções Empresariais, o levantamento ouviu 3,5 mil profissionais de médias e grandes corporações no Brasil. O percentual trazido pelo estudo é expressivo e merece atenção, pois desvios de comportamento geram riscos para as empresas.

A partir disso, o grande desafio está em traduzir juridicamente os comportamentos e suas consequências. As respostas ao questionário não significam que atos ilícitos serão realizados, considerando que existe uma dose de livre-arbítrio entre o pensar e o executar. Há ainda fatores externos que propiciam esse comportamento: ausência de controles corporativos, (falsa) percepção de impunidade no dimensionamento dos riscos inerentes ao negócio e o desconhecimento de inovações legais, como a Lei Anticorrupção (12.846/2013).

Há uma série de riscos operacionais para empresas que não possuem controles mínimos de compliance. Ainda hoje, é amplo o desconhecimento sobre os efeitos que essa legislação pode gerar sobre os negócios, persistindo a falsa ideia de que sempre haverá contorcionismos jurídicos para evitar condenações.

A empresa, e não somente os agentes causadores de danos, é responsável pela reparação dos prejuízos. As multas podem alcançar até 20% do faturamento bruto, havendo ainda a possibilidade de encerramento das atividades. A organização tem o dever de observar e ter alcance na extensão de sua atuação – seja a participação de seus diretores, sócios e representantes, seja a atuação de parceiros, consultores e prestadores de serviço.

A Lei Anticorrupção determina que a persecução abrangerá mais do que a pessoa física de seus representantes. Passa a alcançar a organização em sua personificação jurídica, através da responsabilidade civil objetiva. Nesse cenário, ter um programa de integridade adaptado ao tamanho dos riscos de negócio é mais do que uma recomendação ética e moral. Trata-se de uma medida de proteção da instituição, de seus colaboradores, investidores e demais stakeholders. Além de boa prática valorizada, constitui medida de autoproteção e perpetuidade do negócio.

Os últimos anos foram marcados pelo atingimento de estruturas de poder e corporações até então intocáveis; início de um movimento de combate ao tráfico de influência; debate da hipertrofia pública, que dá espaço a negociatas e crises fiscais sem precedentes; e sobreposição dos interesses privados sobre o público.

Há de se questionar: esses avanços irão parar por aí ou o país aprendeu e está evoluindo, de modo a fazer as mudanças necessárias? É tardio afirmar a necessidade da reestruturação do ente estatal, promovendo uma ordem que não se legitime somente para sustentar sua própria existência. Nesse novo cenário, o Estado deverá servir a sociedade e promover o bem comum.

Por outro lado, a iniciativa privada também tem sua chance de promover melhorias a partir da criação de novos paradigmas com a governança corporativa. Porém, é necessário ir além. Os novos tempos impõem a disseminação de práticas “correcionistas” – que, ao corrigir práticas e costumes do mercado, fortalecem uma estrutura econômica sadia.

Empresas e executivos têm o dever de quebrar paradigmas, com o objetivo de promover um mercado mais justo e livre do “jeitinho brasileiro”. Ao ampliar essa nova dimensão, combaterão não só os atos de agentes nocivos ao bem comum, mas promoverão um novo esteio cultural para as reformas necessárias.

Maurício André Gonçalves

Coordenador da área Tributária, Societária e Compliance do escritório Scalzilli Althaus