Justiça gaúcha anula plano de recuperação judicial

A Justiça do Rio Grande do Sul invalidou um plano de recuperação judicial da Tutto Condutores Elétricos Ltda., empresa de Caxias do Sul de fornecimento de produtos para a indústria automobilística. Para a juíza Luciana Fedrizzi Rizzon, da 6ª Vara Cível, o plano é abusivo e injusto, o que acarretaria uma verdadeira moratória aos credores.

A decisão, inédita no estado, segue o precedente aberto no início do ano pelo Judiciário de São Paulo, que anulou o plano da Cerâmica Gyotoku e entendeu que a assembleia geral de credores não é soberana para decidir de que forma serão pagas as dívidas. Segundo o plano aprovado no Rio Grande do Sul, haveria para certos credores um deságio de 85%. Os 15% restantes seriam pagos ao longo de nove anos após o prazo de carência de dois anos, sem a incidência da correção monetária em todo o período. “Isso equivale a um calote”, afirma o advogado Gustavo Salgueiro, do Xavier Bragança Advogados e responsável pela defesa do Banco Santander, que conseguiu a anulação do plano.

Além disso, o plano previa ainda a extinção das ações em curso contra a empresa e seus avalistas, o que garantiria a liberação automática das garantias dadas pelos devedores.

O plano foi aprovado pela maioria (51%) da assembleia em 4 de abril por conta de, segundo a defesa do Santander, diversas manobras impetradas pela empresa e seus administradores. As estratégias foram levadas à juíza no caso, que não homologou o plano aprovado.

“O fundamento da juíza não foram apenas as manobras utilizadas, o que valeria apenas para o caso pontual. Mas o entendimento foi o de que o plano era essencialmente injusto, o que tem um grande alcance de interesse dos bancos”, afirma Salgueiro. Só no Xavier Bragança Advogados há cem processos de recuperação, que totalizam mais de R$ 2,5 bilhões em créditos defendidos.

Segundo a Lei n. 11.101/2005, com a anulação do plano, deveria ser decretada a falência da empresa. No entanto, essa não é uma solução que interesse aos credores. Nos dois casos semelhantes já registrados na Justiça paulista a solução dada foi a exigência de apresentação de um novo plano discutido em assembleia a ser convocada em até 60 dias.

No caso do Tutto, a determinação foi de se apresentar um novo plano de recuperação, no prazo de 30 dias, para que, segundo a juíza, se possa ver garantia a isonomia entre os credores para a viabilização da recuperação da empresa.

Apresentado o plano, dele serão intimados os credores, por edital, que terão o prazo de 30 dias para apresentarem suas objeções e sugestões ao plano diretamente ao administrador judicial. “A Justiça dá uma última chance para que as dívidas sejam renegociadas de boa-fé”, diz Gustavo Salgueiro. Por ser de primeira instância, ainda cabe recurso da decisão ao Tribunal de Justiça.

Na decisão, a juíza afirma que ocorreu verdadeira moratória em relação aos créditos das instituições financeiras. “Ainda que a novação das dívidas, a equalização de encargos financeiros, a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações sejam meios previstos em lei a serem adotados para a recuperação da empresa, nenhuma dessas medidas pode ser tolerada se praticada com abuso de direito”, afirmou a magistrada.

Segundo ela, “a disparidade entre o excesso de direitos e/ou benefícios a uns poucos e o direito de outros, verificada no plano aprovado, extrapola os limites da liberalidade na renegociação das dívidas prevista na legislação, de modo que se justifica a intervenção do juízo no sentido de não chancelar a deliberação tomada em assembleia”.

Na decisão, tomada no início de junho, Luciana Rizzon diz ser “dever do julgador coibir práticas abusivas que contrariem a intenção do legislador de fazer da reunião dos credores em deliberação um enorme colegiado destinado a encontrar a melhor forma de sanear a empresa em crise sem que haja significativo prejuízo aos seus credores.”

O advogado do caso afirma que a regra geral é a de que a decisão tomada pela maioria dos credores vincula aqueles que eventualmente rejeitaram o plano. No entanto, a Justiça já passa a entender que a regra geral pode ser afastada se a maioria impôs um plano injusto. As decisões anteriores acabavam anulando apenas algumas cláusulas consideradas abusivas.

“O caso mostra um mau uso da recuperação, ou seja, empresas que se valem do instrumento para dar calote em credores e proteger o patrimônio pessoal dos sócios, o que felizmente é a minoria dos casos”, diz Salgueiro.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de empresa credora que pretendia receber de um grupo agroindustrial em recuperação judicial aproximadamente R$ 21 milhões pelo pagamento de dívida. Na recuperação, uma das credoras disse que a sociedade procedeu à colheita de cana-de-açúcar (objeto de garantia), sem sua permissão. O juízo entendeu que a atitude não havia prejudicado os interesses da credora.