Da Inovação Restritiva do art.139 do NCPC em face dos Direitos de Personalidade

Das tantas inovações do CPC de 2015 expostas e discutidas nas sentenças e acórdãos proferidos a partir do mês de sua vigência, nenhuma ousa inovar mais que a decisão proferida no processo 4001386-13.2013.8.26.0011  que corre na 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros no estado de São Paulo. E, em que pese a decisão ser passível de recurso na data da confecção deste texto, a consequência inédita e, ao mesmo tempo, previsível está lançada no mundo jurídico e a partir dela se pensará melhor a forma de busca da efetivação de ordem judicial.

O artigo 139 do NCPC em seu parágrafo 4º possibilita ao Magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias a fim de fazer cumprir ordem judicial incluindo aquelas que tem por escopo principal a prestação pecuniária. Pois bem, decidiu a magistrada do estado de São Paulo, com base no texto do artigo referido que, o réu, por ser devedor contumaz e não demonstrar a vontade de solver o débito deve sofrer as seguintes restrições: suspensão da carteira de motorista, apreensão do passaporte e, derradeiramente, o cancelamento dos cartões de crédito até o pagamento da presente dívida.

É de se reconhecer o esforço da magistrada em fazer cumprir o negócio avençado entre as partes, além da estratégia empreendida em cercar o devedor de forma válida fazendo com que sofra por ter permitido a permanência do débito, eis que conhecido por ser contumaz na atitude de frustrar o adimplemento de negócios assumidos.

Mas diria o mais garantista dos pensadores jurídicos que, talvez, a magistrada tivesse exercido a força restritiva do art. 139, § IV em medida excessiva. Talvez, o acúmulo de medidas restritivas expostas na mesma decisão viesse por impossibilitar o exercício de personalidade protegido por Carta Magna.

Estão aí dispostos o dever de pagar daquele que não teme as consequências do inadimplemento e as possibilidades judiciais de forçá-lo a tanto. Também se percebe a inovação de medidas de cumprimento judicial e a possibilidade de violação de direitos personalíssimos. A suspensão da carteira de motorista, por certo, é medida que restringe a vida do indivíduo comum, se somá-la a apreensão de passaporte e cancelamento de cartões de crédito conclui-se que o devedor, em algum momento, terá a vontade de adimplir o débito que gerou tais restrições ou se verá tolhido em atos corriqueiros da vida moderna.

Conforme, já informado, o executado está no prazo para interpor recurso, mas ofícios estão sendo expedidos e é inegável o reconhecimento de que o direito de ir e vir do devedor estão sendo atingidos à medida que cada ofício chega a seu destino.

Acerca dos direitos de personalidade Fernanda Borguetti Cantali  expõe que são direitos subjetivos não patrimoniais vinculados a ideia de proteção daquilo que é mais íntimo ao ser humano. Inegável que estão ligados ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana e que possuem como características essenciais a indisponibilidade, a irrenunciabilidade e intransmissibilidade características que buscam proteger o indivíduo dele mesmo quando pretende dispor de si para fins não altruístas, como por exemplo: lucrar com a comercialização de órgãos; tentar a prática do suicídio; realizar negócio que acarrete lesão corporal, ou abrir mão de tratamento médico em razão de crença individual.

No caso da determinação de suspensão de carteira de motorista, apreensão do documento de passaporte e cancelamento de cartões de crédito é de se questionar se o direito de ir e vir do réu não foi atingido em demasia, eis que não é permitida a prisão civil em razão de dívida, porém a impossibilidade de manutenção de atos da vida civil pode também servir para uma espécie de limitação do indivíduo. Por outro lado, as determinações da magistrada são permitidas por lei, conforme interpretação própria do artigo 139 do Novo Código de Processo Civil e, é de se pensar, agora sob outro ângulo, se não é esse o caminho para fazer com que devedores conhecedores das artimanhas de sonegar pagamentos de débitos acabem pagando pelos compromissos financeiros assumidos. 

Nesse ponto faz-se uns parênteses destacando o parágrafo IV do art. 139 do NCPC. Diz o artigo que é de incumbência do magistrado a determinação de medidas capazes de fazer cumprir ordem judicial, todavia, não especifica a natureza e espécie de medidas possíveis a serem adotadas. Em verdade, o artigo 139 do CPC é talvez aquele que mais guarde força interpretativa de todas as inovações lançadas nesse diploma legal. Afinal, o mesmo artigo de lei provoca, em mais de um parágrafo a imaginação e devaneio de quem ousa limitar a atuação jurisdicional. Por exemplo, além do aqui já exposto parágrafo IV, há também a disposição do parágrafo II que expõe a necessidade de zelo do magistrado no que toca o tempo de duração do processo, determinação essa, que, com certeza, gera discussões infindáveis. Afinal, qual é a duração razoável de um processo?

Há, ainda, a determinação do parágrafo III que impõe ao juiz atitude que previna ou reprima qualquer ato contrário à dignidade da justiça. Ou seja, referido parágrafo de lei foi criado para motivar o magistrado no sentido de exercer força cognitiva preventiva em atos de terceiros. Nota-se que todo o artigo 139 é voltado para não eximir o juiz de sua responsabilidade de dono do processo. 

Conclui-se assim que o art. 139 tenta ser amplo para abranger o maior número de possibilidades, o que por certo, ocasionará muitas discussões e questionamentos envolvendo sua aplicabilidade no mundo dos fatos. Por ser um diploma relativamente novo em suas propostas ainda é cedo para saber se as determinações impostas pela magistrada da comarca paulista com base no art. 139 terão a efetividade esperada ou serão aceitas no mundo jurídico. O que se sabe ao certo é que inovou a juíza e sua proposta de resolução da lide abrirá precedente ou encerrará via restritiva de direitos.

Por fim, afirma-se que embora o direito de personalidade do indivíduo seja indisponível, ou seja, não permita violação, as medidas restritivas de direitos tomadas pela juíza de São Paulo estão em consonância com a proteção dos direitos da coletividade, sob o ponto de vista da segurança jurídica necessária à manutenção das relações negociais.

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