A liberdade religiosa e a imposição de trabalho nos dias de guarda

Brasil: Estado laico, onde é conhecida e praticada uma gama quase que incontável de religiões e que traz, dentre os seus Direitos Fundamentais, a liberdade de crença e o livre exercício de culto.

É este o cenário que vivenciamos. É este o cenário no qual o empresariado está submerso. E, deste contexto emerge a seguinte questão: ante o direito fundamental de praticar e expressar uma religião, conferido a todos os cidadãos, pode o empregador exigir a prática de trabalho nos dias considerados santos e destinados ao repouso e louvor?

A questão é bastante controversa e o judiciário trabalhista pátrio tem se divido em duas diferentes vertentes. A primeira corrente jurisprudencial entende que o direito à liberdade religiosa abrange a liberdade de observar os dias de descanso estabelecidos pela crença. Para seus defensores, a guarda dos dias sagrados é um preceito milenar, provavelmente originado na ideia de que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, e que inspirou o legislador a estabelecer o repouso semanal remunerado.

Assim, é dever do empregador observar e respeitar a liberdade de religião dos seus empregados, fazendo o possível para não lhe impor trabalho nos dias de guarda. Dentre os fundamentos utilizados para embasar este posicionamento, bastante difundido entre os juízes brasileiros, está o art. 6º, h, da Resolução 36/55, editada pela ONU em 1981 e, segundo o qual, o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicções compreende a liberdade “de observar dias de descanso e de comemorar festividades e cerimônias de acordo com os preceitos de uma religião ou convicção”.

Este entendimento tem relevante valor e um notório caráter humanístico. Contudo, até os seus mais ferrenhos defensores reconhecem que a liberdade religiosa não é um valor absoluto quando comparada ao poder diretivo do empregador.
Nesse sentido, o juiz do trabalho Alexandre Pinto, em sentença por si proferida, exemplifica: “Quanto à observância de dias de guarda, uma hipotética religião que prescrevesse seis dias de guarda por semana, todas as semanas do ano, e permitisse que os fiéis trabalhassem em apenas um, não poderia ser invocada pelo empregado como justificativa para faltar a semana quase toda.
Num caso como esse, a liberdade religiosa estaria sendo invocada para justificar o injustificável: o direito de ganhar sem trabalhar, enquanto os que não professassem a religião teriam que trabalhar para ganhar. Isso feriria o direito fundamental à igualdade de todos perante a lei.

Porém, para esta vertente, o direito à observância de um dia de guarda por semana, não é abusivo, sendo, portanto, vedado ao empregador a exigência da prestação de serviço nos dias de louvor, independentemente do regular funcionamento de sua empresa. Exemplificamos: uma farmácia, que trabalha todos os dias da semana, no mais das vezes até altas horas da noite, não poderia exigir que um empregado, fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, trabalhasse da sexta-feira, a partir das 18 horas, até o sábado no mesmo horário. Isto porque, este é o período compreendido pela religião como o sábado natural e que deve ser guardado ao louvor.

Assim, eventual exigência de trabalho neste período caracterizaria uma violação por parte do empregador à liberdade de culto do empregado e, certamente, ensejaria uma condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
A outra corrente, a qual nos filiamos, acredita, entretanto, que a garantia fundamental à liberdade religiosa assegura ao fiel o direito de esquivar-se das obrigações legais contrárias à sua crença religiosa, mas não para exonerá-lo do cumprimento de obrigações por ele mesmo contraídas.

Isto é, se o empregado é sabedor da prática de trabalho nos dias considerados sacros pela sua crença na empresa que o contrata e aceita o emprego, então, não poderá arguir a sua religiosidade para furtar-se do trabalho nos dias de guarda, sob pena de falta injustificada que, se reiterada, poderá ensejar a despedida por justa causa. Neste caso, o empregador pode até aceitar uma eventual compensação do dia sagrado, mas não é obrigado a fazê-lo.

Contudo, caso este empregado tenha comunicado à sua condição ao empregador na fase pré-contratual, e mesmo assim a empresa tenha optado por admiti-lo, então ser-lhe-á assegurada a folga nos dias sacros, sob pena de falta grave patronal.

Acreditamos, pois, que a recusa em trabalhar nos dias de guarda torna-se legítima quando estabelecida contratualmente, ou comunicada ao empregador antes da contratação. Caso contrário, o empregado estará sujeito ao poder disciplinar do empregador.

E isto porque, a nosso ver, a liberdade religiosa não é um direito absoluto. Ao contrário, no ambiente de trabalho, tal liberdade vê-se restringida pelos imperativos organizacionais da empresa e pelo princípio da isonomia entre os empregados.