Um olhar também sobre os contribuintes

O ICMS esteve no centro das atenções no Rio Grande do Sul quando, recentemente, foi discutida e aprovada a manutenção das alíquotas. Passado esse fato, é importante direcionarmos o olhar para o tratamento aos contribuintes desse tributo. De fato, o imposto protagoniza qualquer debate sobre Direito Tributário e, há anos, não perde força dentro do âmbito político. É causa de diversas medidas – às vezes, um tanto descabidas – pelo Fisco Estadual de outros entes da Federação. E no RS não é diferente.

O decreto nº 48.494/2011, por exemplo, regulamenta a definição de contribuinte contumaz e trata do Regime de Especial de Fiscalização (REF), modificando o próprio Regulamento do ICMS (RICMS) no Estado. Nele, estão redigidas as consequências do enquadramento pelo Fisco como devedor contumaz: perda dos sistemas especiais de pagamento do ICMS, pagamento em adiantado do tributo, suspensão do diferimento, entre outros. Ou seja, a norma vem no sentido de atribuir ao devedor os efeitos nocivos decorrentes do seu próprio inadimplemento.

Contudo, quem passa rapidamente o olhar sobre o decreto pode deixar passar despercebida a nota 01, do inciso II, do artigo 4º. Nela, há uma condicionante que afeta diretamente quem não tem nada a ver com o enquadramento como devedor contumaz. Deixa claro que aqueles que adquirem bens e outras mercadorias de contribuintes enquadrados como devedores contumazes não podem se apropriar de créditos de ICMS enquanto o vendedor não comprovar a arrecadação na operação.

Em outras palavras: o governo limitou o livre exercício de um direito do contribuinte. Mesmo estando em dia com o Fisco, pagando corretamente seus impostos e cumprindo suas obrigações acessórias, será prejudicado pela inadimplência de terceiros. Apenas pelo fato de comprar mercadorias deles.

Ao fechar o cerco à inadimplência do tributo estadual, o decreto arrasta para o centro da discussão contribuintes que não podem ser responsabilizados por terceiros, como quer forçosamente o governo. Não bastasse a violação do princípio da não-cumulatividade do tributo, ao estabelecer critério restritivo ao seu uso, forjando norma para além da sua competência legal, a nota 01 contraria recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No julgamento do agravo em recurso especial nº 1198146, a Primeira Turma do STJ reconheceu que as Lojas Americanas não poderiam ser responsabilizadas solidariamente pelo pagamento de tributos de terceiros apenas porque comprou destes. No caso concreto, a empresa vendedora atuou de forma a simular seu enquadramento dentro do regime especial do Simples Nacional.

A Corte Especial delimitou a responsabilidade legal de cada parte no negócio. Compreendeu que, não havendo concorrência para a suposta sonegação de ICMS, seria descabido atribuir às Lojas Americanas responsabilidade tributária. Essa decisão reformou o julgamento ocorrido no Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual afirmou que não estava em discussão quem praticou o ilícito – e, sim, que havia um imposto a ser recolhido, mas não foi. Por isso, poderia ser imposta responsabilidade sobre a varejista compradora, uma vez que fez parte do negócio.

A acertada decisão do STJ traz luzes à nota 01, pois demonstra ser impositivo o estabelecimento de limites à responsabilização tributária dos demais entes da cadeia econômica. Se isso não ocorrer, o Estado do RS arrastará diversos outros contribuintes para o centro da discussão, ainda que não estejam dentro do escopo da fiscalização ou mesmo descumprindo normas legais.

O mero fato de exercer atividades empresariais, comprando de seus fornecedores e dando continuidade à sua operação, tornou-se arriscado demais. Apropriar-se de créditos de ICMS não homologados atrai penosas multas sobre os contribuintes, criando novas dívidas, até que toda a cadeia econômica, antes saudável, esteja enquadrada como devedora contumaz.

Artigo publicado no portal Consumidor RS

alberto@scaadvocacia.com.br