Recuperações judiciais ganham força no País

Nos últimos sete anos, o endividamento das empresas brasileiras no mercado interno mais que dobrou, atingindo R$ 1,4 trilhão em janeiro. Com os empréstimos externos, essa conta sobe em mais US$ 211 bilhões. Não chegaria a ser um problema se a economia estivesse crescendo, o consumo subindo, a produtividade aumentando. Mas o cenário é o inverso disso. Com redução nas vendas e na receita, esse endividamento se tornou uma bola de neve para as empresas. E a percepção entre os analistas é uma só: o País vai viver neste ano uma explosão das recuperações judiciais e quebras de empresas.

Esse cenário, na verdade, já deu as caras no ano passado, quando as recuperações judiciais chegaram a 1.256, número mais de 50% superior ao registrado em 2014. No primeiro bimestre deste ano, o número foi ainda mais assustador: crescimento de 116% em relação ao mesmo período do ano passado. “As empresas estão sofrendo e ainda vão sofrer muito em 2016 por falta de liquidez”, diz Mauro Storino, diretor sênior da Fitch Ratings.

O cenário traçado pela agência de classificação de risco para os grupos nacionais é dos mais pessimistas. Entre as companhias brasileiras acompanhadas pela Fitch, 53% estão com perspectivas negativas – ou seja, devem ter suas notas de crédito rebaixadas nos próximos meses. Em 2014, para cada empresa que tinha o rating elevado, três caíam. Neste ano, a proporção, segundo Storino, será de uma elevação para 10 rebaixamentos.

Para entender como a situação chegou a esse ponto, não é preciso ir muito longe. Entre 2005 e 2013, os empresários brasileiros experimentaram um ambiente inédito, com fartura de crédito a um custo baixo para os padrões nacionais ao mesmo tempo em que o governo incentivava o consumo e o crédito das famílias. A decisão das corporações foi de tomar dívida para investir em expansão – o que fez com que o endividamento superasse a geração de caixa.

O problema é que, no meio do caminho, veio uma recessão. De um crescimento de 2,3% em 2013, o Brasil ficou praticamente estagnado em 2014 e recuou 3,8% em 2015. “Isso gerou um descompasso entre a geração de caixa e o endividamento das empresas”, diz Fábio Rodrigues, sócio-diretor da Bizup Consulting, empresa de consultoria empresarial. Na prática, as empresas investiram com base em um cenário que não se realizou. E, mais grave: as dívidas começaram a vencer no pior momento da economia. A margem líquida – indicador que mede o quanto das vendas se converte em lucro – recuou, em 2015, aos mesmos níveis de 2003. O levantamento foi feito pela empresa de informação financeira Economática com base nos dados de 70 companhias de capital aberto que já apresentaram o balanço do ano passado.

O indicador que mede a capacidade de pagamento das empresas (relação entre dívida líquida e Ebtida, ou geração de caixa) também se deteriorou. De um total de 198 companhias que tiveram essa relação positiva em 2015, 112 viram essa proporção subir, o que significa alta do risco. Há casos como o da construtora Mendes Júnior, que acabou de pedir recuperação judicial, em que relação dívida líquida sobre Ebitda é de 33,37, segundo a Economática. Isso significa que, com o caixa que ela gera hoje, levaria 33 anos para quitar os empréstimos.

A saída é tentar um alongamento dos prazos. Do outro lado, no entanto, essas empresas têm encontrado bancos pouco dispostos a conceder crédito novo em condições razoáveis. O que ocorre é o contrário: os prazos estão mais apertados e as exigências de garantias, mais pesadas, diz José Braga, sócio da PriceWaterhouseCoopers. O resultado disso é que cada vez mais empresas têm de pedir à Justiça proteção contra os credores, a recuperação judicial. Na lista de companhias que já recorreram à Justiça só neste ano estão empresas dos mais diversos setores, como a Viação Itapemirim, a rede de lojas de brinquedos BMart, a GEP, dona das varejistas de roupas Cori e Luigi Bertolli, e a fabricante de autopeças Arteb.

Para piorar, a crise, desta vez, atinge um grande número de empresas gigantes. Grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, que investiga corrupção em contratos da Petrobras, já pediram proteção judicial desde o ano passado. Entre elas, a OAS, que até 2014 ocupava a 3ª posição do ranking das maiores construtoras do Brasil; a Galvão Engenharia, que era a 6ª maior; e a própria Mendes Júnior, na 13ª posição.