Os desafios da transformação digital antes da implementação do 5G no Brasil

Publicado: Conjur

 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentou no último dia 26 dois importantes relatórios sobre a economia digital (“A Caminho da Era Digital no Brasil” [1]) e o acesso às telecomunicações no país (“Avaliação da OCDE sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil 2020” [2]).

De acordo com o secretário-geral da organização, Angel Gurría, o Brasil teve progressos digitais significativos nos últimos anos, todavia, a estratégia de inovação adotada não parece estar conectada a uma agenda econômica, tecnológica, industrial e social mais ampla, que estruturaria os esforços de inovação em torno das necessidades econômicas e sociais mais urgentes no país [3].

Para tanto, o relatório indica que o Brasil deve continuar implementando a infraestrutura de rede fixa para atender a crescente demanda por uma conexão “confiável e acessível” das empresas e famílias, pois uma banda larga de alta velocidade também é essencial para tecnologias como a internet das coisas, inteligência artificial, automação e robótica, e computação em nuvem [4].

De acordo com a Anatel, em 2015, somente 48.2% dos municípios brasileiros tinham acesso ao backhaul de fibra óptica — conectividade importante para trazer a fibra óptica para mais perto do usuário final — a fim de dar suporte às demandas de capacidade projetadas, incluindo aquelas criadas pelas redes 5G [5].

Em 2019, esse indicador havia subido para 70%, o que representava 3.882 municípios conectados ao backhaul de fibra óptica. Importante referir que embora um município possa ter a presença de backhaul, dada a heterogeneidade no tamanho dos municípios, tal presença não é uma medida de cobertura geográfica plena deste insumo do mercado de atacado. Ademais, a presença de backhaul de fibra óptica não implica que a operadora de atacado esteja sujeita a qualquer obrigação de acesso aberto [6].

Assim, a OCDE aponta que para uma gestão de distribuição da tecnologia de 5G eficiente no Brasil, as atribuições deverão ocorrer por meio de leilões de espectro, considerando preços de reserva, obrigações de cobertura e limites de espectro. O leilão do 5G brasileiro já está sendo considerado o maior de todos os tempos e chama a atenção de diversos interessados que estão observando os projetos com muita atenção [7].

Por outro lado, restou destacado pelo relatório que a confiança também é uma base necessária para a transformação digital no país, sendo a Lei Geral de Proteção de Dados um importante passo neste sentido [8].

Assim, ressalta-se a urgência em dar vida à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) [9], órgão que terá um papel importantíssimo para a efetividade da LGPD na sociedade brasileira, através da indicação de seu corpo técnico capacitado. E nesse ponto, salienta-se ser fundamental que as competências da ANPD sejam claramente delimitadas, que seja preservada sua independência decisória e que, também, essa autoridade possa contar com os recursos humanos, técnicos e financeiros necessários para desempenhar eficazmente as suas funções em um país com dimensões continentais como Brasil.

A ANPD atuará para conscientizar e orientar a sociedade sobre a LGPD; fixar parâmetros técnicos para a adequação das empresas às novas normas; dispor sobre os 30 artigos da LGPD que precisam ser regulamentados; determinar o padrão das técnicas de anonimização e de portabilidade de dados; fixar padrões para relatórios de impacto, termos de privacidade e cláusulas para consentimento; apreciar petições do titular dos dados; fixar procedimentos simplificados para pequenas empresas e startups.

Ainda a ANPD deverá se articular com os demais órgãos reguladores e com os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para lhes dar subsídios e segurança de como todos os setores deverão se adequar aos preceitos da LGPD, garantindo, assim, a confiança necessária para a transformação digital do país.

Somente se forem seguidas essas recomendações o Brasil irá de fato avançar e garantir uma transformação digital bem-sucedida e inclusiva, o que é fundamental para que sejam atingidos os padrões exigidos pela OCDE para que o país seja aceito como membro desta importante organização mundial que tanto beneficia economicamente seus participantes.

Marcela Joelson, Coordenadora da Área Digital da SCA