Novas formas de equalização do passivo trabalhista e a recuperação judicial

Avançando no segundo semestre de 2017, a economia nacional, infelizmente, ainda revela pouquíssimos sinais de superação da recessão que a acometeu nos dois anos anteriores. Sucedem-se instabilidade política, escândalos de corrupção, insegurança, desconfiança, desemprego, redução da população ativa, enquanto nós (profissionais, empresários, empreendedores e cidadãos em geral), na extremidade frágil da pirâmide, persistimos em busca de alternativas para driblar os reveses desse contexto.

Diante desse quadro, é essencial fomentar condições propícias para o fortalecimento empresarial, a fim de que possamos vislumbrar um povo brasileiro produtivo – capaz de gerar renda, promover seu próprio sustento e fazer girar o mercado. Organizações empresariais saudáveis estão diretamente atreladas ao desejado aumento da empregabilidade no país.

Impõe-se o registro do óbvio: a cada empresa que fecha as portas, temos arrecadações tributárias cessadas, pessoas perdendo empregos, famílias que simplesmente veem interrompidas suas fontes de rendimentos, carentes de perspectivas animadoras, desencadeando toda a sorte de reflexos sociais negativos.

Não por acaso, em vista da necessidade de preservação e geração de empresas e empregos, a recente reforma trabalhista dedicou atenção a anseios de empregadores/investidores desapegando-se, acertadamente, da perigosa doutrina protecionista unilateral/radical.

Contudo, além de não serem imediatos os efeitos da mudança legislativa, é preciso avançar mais para uma substancial melhora do cenário atual. A realidade enfrentada é de recordes históricos no número de quebras e de empresas sofrendo severos impactos da crise, lutando bravamente para permanecer em atividade.

O passivo trabalhista e suas contingências seguem como protagonistas no fechamento da grande maioria das empresas em nosso país – seja diretamente ou obrigando as organizações a assumirem endividamentos bancários na tentativa de honrar as pesadas obrigações decorrentes das relações de emprego. Trata-se de uma constatação inegável, com a qual trabalhamos todos os dias em nosso escritório.

Mas, em meio ao caos, existe esperança. Recentemente, colhemos bons frutos adotando estratégias que, sem deixar de garantir os direitos dos trabalhadores, visam preservar as empresas e os empregos gerados por elas. É o caso da concentração dos processos trabalhistas em um só juízo conciliador, negociando tal endividamento como um todo, com intensa atuação junto às diversas peças dessa complexa equação (como trabalhadores e seus advogados, sindicatos, Judiciário, Ministério Público).

A proposta é inovadora e desafia o tradicional tratamento individualizado dos litígios. Envolve reunir as dívidas para melhor controle e construção da sua quitação dentro de condições possíveis, defendendo a empresa de avalanches condenatórias que representam risco de conduzi-la à fatal quebra. Implica mudar a mentalidade do Judiciário, de sindicatos e advogados militantes, para que busquem a satisfação dos créditos sopesando circunstâncias do contexto de crise, ao invés de focarem num espírito de punição da parte que entendem como “mais forte” – ou, ainda, como “vilã”. Essa corriqueira polarização é nociva, limitando sobremaneira a visão de soluções muito mais eficazes a todos.

Uma empresa de portas fechadas não paga dívidas ou tributos, tampouco emprega ou movimenta a economia. Torna-se mais uma a engrossar estatísticas desejadas por ninguém. Eis o valor de escolhas acertadas e arrojadas ao lidar com tamanhas dificuldades e a crucial importância de se conhecer as alternativas disponíveis.

Com efeito, em alguns casos, a urgência e o sufocante volume do endividamento trabalhista recomendam que estratégias jurídico-negociais venham associadas aos benefícios de uma recuperação judicial. De pronto, essa medida blinda o caixa da empresa e, nos termos da reforma trabalhista (art. 899, § 10º), a isenta dos dispendiosos depósitos recursais. Dessa forma, otimiza a tomada de fôlego para que os gestores possam voltar os olhos e as receitas à operação, às pendências acumuladas e à própria atividade, traçando as providências necessárias ao restabelecimento da sua saúde.

A Lei de Recuperação Judicial (n. 11.101/2005) tem como princípio maior justamente a preservação da empresa. Desde o momento do ingresso com a ação, ficam suspensas todas as cobranças e execuções em curso, inclusive de natureza trabalhista – que, não raro, atingem patamares assustadores. Congelam-se dívidas vencidas e vincendas contraídas até a data do pedido, garantindo no mínimo seis meses para que os gestores voltem a se dedicar ao negócio. E, também, para que possam chegar a um entendimento razoável com número suficiente de credores, construindo o acordo para aprovação de um plano de pagamentos factível ante a concreta capacidade de geração de recursos financeiros.

Sob proteção da recuperação judicial, ganha especial peso a mencionada estratégia de concentração/controle do passivo decorrente das relações de trabalho. Todos os credores ficam abrangidos pelo processo e existem precedentes em que se logrou êxito na homologação de parcelamentos em até três anos. Há ainda a possibilidade de destinação de um bem específico à venda/leilão cujo resultado responda por tais débitos, além da submissão de qualquer penhora ou bloqueio à apreciação prévia do juízo recuperacional (mesmo daqueles trabalhadores que venham a mover ações após o pedido de RJ), evitando surpresas às contas bancárias, aos recebíveis e ao patrimônio da empresa.

Seja qual for a opção da empresa, é fundamental a compreensão de que endividamento trabalhista não significa sentença de morte. A abertura de uma linha de negociação que leve em consideração o montante global do passivo trabalhista, perseguindo soluções completas, não adstritas à advocacia básica de lidar apenas de forma reativa às demandas, tem se mostrado o melhor e mais inteligente caminho.

Combinando planejamento adequado, gestões ou assessorias qualificadas e uma crescente conscientização coletiva sobre o papel da atividade empreendedora, reforçamos uma convicção: é possível sonhar com campos férteis e promissores à iniciativa privada, mesmo no árido terreno da economia nacional.

Eduardo Collet Grangeiro – Advogado da área de Reestruturação de Empresas

Kerlen Costa – Advogada da área Trabalhista e Gestão de RH