Consumidor não vê mudança expressiva em código há 28 anos

Confira: Jornal da Lei  – Entrevista Marcela Joelsons (13.03.18)

Marcela crê que aprovação dos textos teria impacto imediato e positivo

Em vigor desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não teve alterações expressivas nesses 28 anos. Considerado um código inovador em seu surgimento, hoje sofre com atrasos, reflexo de um Brasil diferente, de novas situações econômicas e sociais. Em entrevista ao Jornal da Lei, a advogada especialista em Direito do Consumidor explica o porquê da necessidade dessas alterações e avalia projetos de lei que envolvem o tema.

Jornal da Lei – Por que é necessária uma mudança no CDC e que pontos precisam de alteração?

Marcela Joelsons – O código de defesa do consumidor hoje em vigor foi criado em 1990. São 28 anos de uma fase da sociedade na qual ocorreram muitas mudanças. Há 20 anos, internet, redes sociais, comércio eletrônico, e a própria situação financeira do País eram diferentes. Tudo isso faz com que surjam lacunas na relação do consumidor com as empresas. É urgente uma atualização dessa legislação, temos dois projetos de lei em tramitação, que tiveram origem no Senado e estão agora na Câmara. Na verdade, se conseguíssemos a aprovação, já seria um grande avanço, porque são projetos bem montados, bem elaborados, que trazem pontos bem interessantes. Essas alterações têm que surgir com o intuito de trazer mais segurança jurídica na relação empresa/consumidor.

JL – No que consistem esses projetos de lei?

Marcela – O Projeto nº 3.514/2015 adiciona uma sessão inteira no CDC sobre o comércio eletrônico, que é uma coisa que não se tinha em 1990. Fala desde o dever de transparência do fornecedor na prestação de informações, até a proteção de dados que o consumidor fornece no momento da compra. Hoje em dia, para fazer uma compra, muitos sites exigem saber toda a tua vida. Essas empresas armazenam esses dados e, às vezes, repassam ou até mesmo vendem essas informações. É quando começamos a receber um spam no e-mail e ligações inoportunas. Isso é desleal, porque o consumidor está fornecendo esses dados para uma finalidade que está sendo completamente desvirtuada. Há, inclusive, uma criminalização da venda dessas informações, isso passaria a ser crime a partir da aprovação do PL. Hoje não há nada sobre comércio eletrônico no CDC, temos apenas regras gerais, mas é importante que seja específico. Outra questão interessante nesse projeto é a possibilidade de desistência, o mero arrependimento de uma compra, que pode ser feito em até sete dias sem nenhum ônus. Outro ponto é sobre os sites de compras coletivas, que fazem parcerias com empresas, cobram um percentual e anunciam. Muitas vezes, o consumidor, só porque encontrou essa oferta dentro desse site, vai confiar e vai fazer a compra, e temos vários casos de cupons que não são efetivados. Nesses casos, os sites não assumem qualquer tipo de responsabilidade, e o consumidor acaba indo à Justiça para reaver esse dinheiro. A legislação traz isso expressamente, a responsabilidade solidária da empresa de venda coletiva pela internet. Acredito que essa questão pontual possa trazer um reflexo bem rápido para o dia a dia, pois, a partir do momento que a empresa sabe que é responsável, vai fazer um filtro maior. O outro projeto, o PL 3.515 é focado na questão do super endividamento dos consumidores. Hoje, em razão da situação econômica, vemos muito assédio dos bancos, seja de financiamento ou de empréstimo com juros elevadíssimos. Temos visto uma prática que pode ser considerada abusiva algumas vezes. Há ocasiões nas quais o consumidor está precisando muito, não entende direito algumas questões do contrato, pega o dinheiro e, após um ano, quando vai começar a pagar, se assusta que o valor triplicou. Temos um número muito elevado de processos no Judiciário que discutem esse tipo de situação, de revisão de contratos bancários. O PL traz algumas diretrizes para evitar práticas que, ao longo desses anos, o próprio Judiciário entendeu como abusivas. Fica vedada o uso de expressões que chamam muita atenção e podem trazer enganos: sem juros, gratuito, taxa zero. A própria instituição fica responsável for fazer uma análise de crédito, considerando a saúde financeira, a idade, o conhecimento, a condição social do consumidor, antes de conceder um empréstimo. Outra questão é que as parcelas reservadas para o pagamento das dívidas não podem superar 30% da remuneração mensal. Isso também é um entendimento que foi construído ao longo desses anos pelas decisões judiciais.

JL – O que não está inserido em projetos de lei e mesmo assim deve ser avaliado para o Código?

Marcela – Temos a questão das ações coletivas. Existem outras propostas legislativas, inclusive para se criar um Código de Processo Coletivo, um código autônomo. Vemos muitos direitos que acabam gerando demandas pulverizadas do consumidor. O exemplo é uma empresa que produz um lote que apresenta defeito, e a partir disso diversas pessoas entram com processo. Se a gente considerar que mil podem entrar com ação, isso poderia ser resolvido por meio de uma ação coletiva. Hoje em dia a técnica é utilizada praticamente só pelo Ministério Público. Ela traz igualdade, sem contar que reduz o custo e o tempo para a justiça. Acabamos tendo uma demora jurisdicional, fere direitos constitucionais, é ruim para todo mundo e para a própria empresa, porque é óbvio que pra ela é muito mais difícil e muito mais oneroso apresentar uma defesa em mil casos do que em um só.

Marcela Joelson, Coordenadora da Área Digital da SCA