Consórcios se livram de aval do Cade

As empresas que se unirem para participar de licitações e leilões promovidos pelo governo não vão mais ter que submeter esses acordos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com o objetivo de agilizar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo liberou-as de notificar a formação de consórcios em licitações governamentais. “É a primeira isenção antitruste do Brasil”, avaliou o advogado Eduardo Molan Gaban, do escritório Machado e Associados.

A isenção vai valer a partir de 30 de maio, quando entra em vigor a nova Lei de Defesa da Concorrência (nº 12.529). Ela está prevista no parágrafo único do artigo 90 que não considera como fusões e aquisições passíveis de análise pelo SuperCade as “licitações promovidas pela Administração Pública direta e indireta e os contratos delas decorrentes”. Na prática, a isenção vai valer para grandes obras públicas, como os leilões dos aeroportos e a construção de rodovias, linhas férreas e usinas hidrelétricas.

A lei atual (nº 8.884, de 1994) prevê que o consórcio vencedor de uma licitação tem que submeter os seus contratos ao Cade. O objetivo é o de verificar a competição no setor. Hoje, se uma empresa ganhar mais de uma licitação governamental e passar a ter alto poder de mercado, o órgão antitruste pode intervir. Pela legislação atual, o Cade pode impor condições aos contratos das empresas vitoriosas num leilão. Ele pode retirar, por exemplo, cláusulas de exclusividade para a contratação de terceiros.

Essas cláusulas são comuns em grandes obras, como hidrelétricas, ou para o fornecimento de serviços em telecomunicações. “Normalmente, as licitações do governo envolvem bens públicos e monopólios naturais. Hoje, o Cade tem jurisdição e pode proibir, por exemplo, a adoção dessas cláusulas de exclusividade”, afirmou Gaban.

Para o advogado, a isenção que vai vigorar a partir de 30 de maio será ainda mais ampla, pois órgãos que tradicionalmente analisam as licitações governamentais, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), não fazem, porém, análise concorrencial. O TCU verifica o preço das licitações. A CGU procura identificar fraudes em concorrências públicas, mas ambos não analisam se o consórcio que ganhou uma concorrência pública vai ter domínio de mercado ou não. Essa seria uma tarefa para o Cade.

Sem a análise do Cade, os consórcios vão ficar livres de eventuais restrições do ponto de vista concorrencial e não precisam se preocupar com cláusulas de exclusividade para a contratação de fornecedores em seus contratos. As companhias vencedoras do leilão simplesmente não terão que se submeter a julgamento pelo Cade, como acontece hoje.

Há um ano e meio, por exemplo, o Cade analisou o consórcio vencedor de um dos maiores negócios da história do Brasil: o leilão para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Após a realização do leilão, o consórcio Norte Energia teve que se submeter a julgamento. Nele, apesar do domínio da estatal Eletrobras sobre o setor, o órgão antitruste não impôs restrições, por considerar que se tratava da expansão da oferta de energia e de novas oportunidades de comercialização, o que beneficia a competição. Foi realizada, contudo, uma minuciosa análise sobre o setor de energia e os contratos de Belo Monte.

Agora, o governo decidiu dar isenção para os leilões, pois, além de agilizar o PAC, prevaleceu, nos debates prévios à aprovação da Lei nº 12.529, a visão de que a melhor forma de coibir cartéis em licitações é elaborar um bom edital. A expectativa é a de que a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, que, hoje, faz pareceres às fusões que são julgadas pelo Cade, passe a auxiliar as agências reguladores e os demais ministérios a incluírem a perspectiva da concorrência nos editais das licitações.

Outra questão que foi discutida nesses debates é que a nova Lei Antitruste estabelece que os negócios vão ter de ser aprovados pelo SuperCade, antes de serem realizados. Com isso, no caso dos leilões, o órgão teria que fazer uma análise prévia sobre cada um dos consórcios. Isso iria sobrecarregar o SuperCade.

Por outro lado, dar isenção antitruste é uma atitude polêmica, pois gera o efeito imediato de permitir altas concentrações de mercado. Em 2004, o governo estudou dar isenção às fusões e aquisições no setor aéreo. O objetivo era o de permitir a reestruturação do setor, sem a interferência do Cade, que poderia vetar alguns negócios como a união da Varig com a TAM, que foi cogitada na época, mas acabou não acontecendo. A ideia teve péssima repercussão e foi retirada da pauta do governo e do Congresso.

“É importante lembrar que essa não é uma isenção para um setor específico da economia”, advertiu o advogado Vicente Bagnoli. “É uma isenção para uma situação específica: os leilões feitos pelo governo.” Segundo Bagnoli, o Cade chegou a baixar uma súmula sobre o assunto para deixar claro às empresas que participavam de leilões e licitações públicas que elas só deveriam submeter os contratos para análise antitruste se fossem vitoriosas na disputa. Foi a Súmula nº 3, de 2007.

Essa súmula foi aprovada para resolver uma dúvida das empresas. Antes, elas faziam uma licitação que foi proposta pelo governo, analisada pela agência reguladora e não sabiam se ainda dependeriam de um último aval do Cade para obter a aprovação final. Na época, o órgão antitruste respondeu que as empresas teriam que notificar os seus contratos 15 dias depois de vencerem o leilão. “Agora, o Cade vai deixar de exercer esse papel”, constatou o advogado.

Ex-conselheiro do Cade, o economista Luiz Carlos Delorme Prado acredita que a isenção deve vigorar por um tempo e, depois, será revogada. “A rigor, essas áreas de monopólio natural do Estado são as que as autoridades vão se fazer mais presentes”, afirmou Prado. “E no histórico do Cade, ele nunca restringiu o seu poder de atuação. Será que ele vai reduzi-lo agora? Eu acho que não.”