Compartilhamento de dados na Covid-19: um alerta para a MP 954

 

Fonte: ConJur

No dia 1º de abril foi publicada a Medida Provisória (MP) n. 954 [1], a qual determinou que as empresas de telecomunicação prestadoras de serviços de telefonia fixa e móvel pessoal no país deverão disponibilizar à Fundação IBGE, por meio eletrônico, a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, no prazo de sete dias.

Segundo informação do Governo Federal, esses dados serão utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas não pessoais com os cidadãos. Ainda foram determinadas medidas de segurança como a garantia de sigilo, a vedação de disponibilização desses dados a quaisquer empresas públicas ou privadas, a elaboração e divulgação de relatório de impacto à proteção de dados pessoais e a eliminação dos dados da base do IBGE após o fim da situação de emergência da Covid-19.

Todavia, é possível observar que a MP não seguiu importantes recomendações internacionais [2] e boas práticas [3] em relação ao uso legítimo de dados no âmbito do combate ao coronavírus: estão ausentes a fundamentação motivada ao uso compartilhado dos dados em questão, bem como uma definição específica da finalidade e da necessidade do tratamento de dados a ser realizado.

O compartilhamento de dados entre entidades do setor privado e o setor público necessita de uma motivação fundamentada, através da exposição das razões pelas quais se acredita que aquele conjunto de dados é essencial para a implementação de uma política de saúde pública a ser adotada a partir do tratamento dos dados, bem como das evidências científicas ou empíricas de que a utilização dessas informações é importante para medidas de distanciamento social e outras para a contenção da Covid-19 [4].

Já a finalidade estritamente delimitada é essencial para um controle posterior de desvio de finalidade e para garantir que o tratamento seja “adequado e não excessivo”. Nesse sentido, não bastaria apenas apontar que o uso de dados será para, de forma genérica, evitar a propagação da pandemia, mas deve-se apontar qual é a medida de combate em específico cogitada a partir do tratamento dos dados pessoais a ser realizado [5].

Com as incertezas provocadas pelo coronavírus, o momento é realmente atípico — e o governo tem tomado um conjunto de medidas para garantir uma melhor saúde pública aos cidadãos. No entanto, o direito fundamental à proteção de dados não pode ser prejudicado mediante um pedido de compartilhamento sem a devida fundamentação que ateste a necessidade e eficiência da medida programada.

Em um momento de crise como o que vivemos, a Lei Geral de Proteção de Dados, apesar de ainda não vigente, assume um papel norteador dessas políticas públicas, uma vez que representa um quadro principiológico já aprovado pelo legislador brasileiro. Nesse sentido, transparência e accountability do Estado com a sociedade civil não poderiam faltar, sobretudo agora.

Marcela Joelson, Coordenadora da Área Digital da SCA