A morosidade do Judiciário e a barganha das Fazendas públicas

Na linha do saudoso mestre Geraldo Ataliba, “o Estado é antes de tudo um ser ético e que existe para servir à sociedade e ao homem. Não pode, pois, valer-se de meios reprovados da moral para alcançar seus objetivos. Os fins não justificam os meios. Não se podem deprimir os direitos individuais, invocando nenhum tipo de interesse público, por mais elevados que possam parecer.” Ao menos, assim deveria ser.

No estado atual de coisas, diante da crise econômica e fiscal que assola a União Federal e o Estado do Rio Grande do Sul, a receita parece ser a mesma utilizada em outras oportunidades: aumento e criação de novos tributos e reforço na cobrança de seus créditos correspondentes.

As empresas, notadamente do segmento industrial, já soçobradas diante do incremento inflacionário recente, dificuldades na obtenção de crédito, aumento de juros, redução nas vendas e pesados encargos trabalhistas no caso de dispensa de empregados, veem-se na desconfortável situação de terem de optar entre o adimplemento dos salários (ou das verbas rescisórias), de dívidas junto a seus fornecedores e bancos estratégicos e de seus débitos tributários. O cobertor é curto e a capacidade de repasse do ônus econômico destas despesas já se esgotou.

Apesar de claros os sinais de extenuação do setor produtivo, os entes fazendários não mostram sinais de compreensão, diálogo ou comiseração. A estratégia fazendária é efetuar a cobrança, sejam quais forem as consequências e os meios a tanto necessários.

Dentro desse cenário, têm-se valido de expedientes de cobrança oblíqua dos tributos, tradicionalmente chamados de “medidas políticas”, em que pese o Supremo Tribunal Federal já se tenha manifestado, em iterativas oportunidades, pela inconstitucionalidade da maioria delas, por afrontarem o direito à livre iniciativa, visto que, no mais das vezes, findam por inviabilizar a continuidade da atividade empresarial.

E disso são conhecedores os entes públicos, assessorados que são por órgãos técnicos e funcionários especializados. Sabem que o Judiciário reconhecerá a inconstitucionalidade. O que não se sabe é “quando”.

Disso se valem, utilizando-se de tais medidas como poderosos instrumentos de barganha, constrangendo o empresário a optar entre a continuidade de sua atividade produtiva – independentemente da forma pela qual se dê o pagamento dos tributos – ou seu encerramento em mais ou menos tempo.

A título de exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul editou o denominado “Regime Especial de Fiscalização”, por meio do qual o contribuinte passa a ser obrigado ao pagamento do ICMS na ocorrência do fato gerador, a tanto condicionando a contabilização de créditos pelo adquirente; perda de incentivos ou de forma de recolhimento diferenciada; ampla divulgação dos alcunhados “devedores contumazes”, dentre outras medidas, apesar de expedientes muito similares editados por outros estados-membro da federação já terem sido declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente no AgRg no AI 529.106, RE 195.927, RE 195.621 e RE 343.644.

No âmbito da União Federal, foi recentemente editada pela Receita Federal a Portaria n. 1.265, de 03 de setembro de 2015, compilando diversos instrumentos de cobrança oblíqua, notadamente a inclusão no nome da empresa no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (CADIN), exclusão de programas de parcelamento, representação ao Ministério Público Federal para fins penais, aplicação de multa à empresa e diretores em caso de distribuição irregular de bônus e lucros, arrolamento de bens, representação ao DETRAN, à Capitania de Portos e ao Departamento de Aviação Civil para que exija do contribuinte certidão de regularidade fiscal para fins de alienação ou oneração de bens móveis, comunicação às Agências Reguladoras e órgãos da administração pública para fins de revogação de concessão ou permissão para prestação de serviço público, exclusão de incentivos fiscais, dentre outras.

Como é fácil perceber, os instrumentos de cobrança extrajudicial são extremamente severos, os quais, implementados que sejam, inviabilizam a atuação regular do empresário. O reconhecimento da inconstitucionalidade de grande parte delas, muito provavelmente, é questão de tempo. E é desse “tempo” que se valem os entes fazendários para fins de cobrança.

Em situação e contexto similar, o ex-Ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, em entrevista à Gazeta Mercantil, publicada em 09/04/87, bem declinou: “fui autor, e não fui preso, de vários tributos inconstitucionais, pois em época de emergência a gente cria mesmo”. Quem dera a equivocidade da posição do ex-Ministro tivesse servido de lição aos gestores públicos que lhe sobrevieram.